14.4.08

9-8, o triunfo das mulheres, por fim (ou o encantador senhor Zapatero)


Nós somos criaturas de tal modo volúveis que até acabamos por sentir os sentimentos que fingimos”, Benjamin Constant.

Anunciado com pompa: o novo governo do Sr. Zapatero (ou, parafraseando o douto Dr. Soares, como de costume descaindo para o chinelo, “Sapateiro”) terá nove ministras e oito ministros. Mas note-se o ardil: só depois se informa que, descontando o líder do governo, as mulheres passam a ser a maioria no elenco ministerial. Note-se bem: descontando o próprio Sr. Zapatero. Uma manigância, portanto. Pois o Sr. Zapatero também conta para estas contas. Logo, mantém-se o empate que já vinha do anterior governo espanhol. Desenganem-se as fervorosas feministas e os apaixonados pela esquerda modernaça. O resultado não é 9-8 para as mulheres. É um empate a nove.

Apetece perder-me de amores por esta esquerda modernaça, de que agora Zapatero é expoente máximo (para notória inveja do timoneiro nacional, que decerto aspiraria assumir esse papel dentro da soberba internacional socialista). O enamoramento é irresistível. A exacta medida de como hoje somos levados no engodo do acessório, perdendo de vista o essencial. O que foi mais noticiado acerca do novo governo espanhol? A absurda aritmética do género ministerial. E a estrondosa notícia, outra com laivos de género, de que pela primeira vez a tropa terá uma mulher como superiora hierárquica – uma ministra da defesa, caramba!

Como é que há gente que consegue recusar o inapelável beijo da esquerda modernaça em que a internacional socialista se está a transformar? Eles são os arquitectos dos ventos que moldam a sociedade certa, os caminhos correctos por onde o rebanho ordeiro deve prosseguir. A voz que ecoa o sentir colectivo – ou será o contrário, a sua voz é a centelha que alumia os passos necessários da turba cada vez mais acéfala, ou apenas encandeada pela espectacular vacuidade da retórica socialista. Eu confesso a minha incapacidade: por mais que me esforce, por mais que torça o braço para me enamorar por estes predestinados, não consigo.

O incrível é a armadilha em que o Sr. Zapatero caiu, talvez sem dar conta disso: fez gala, no seu primeiro governo, de ter forjado a igualdade de sexos na composição dos ministérios. Em nome da sacrossanta igualdade de sexos, foi além das quotas que, Europa fora, anseiam garantir uma participação mínima do sexo feminino da vida política dos países. Em Espanha, pedrada no charco: igualdade absoluta! Foi só aplausos, das feministas aos sectores vanguardistas. Só que agora a igualdade foi destruída: 9-8 a favor das mulheres, é a prova. E nem adianta virem os curadores do zapaterismo em sua defesa, argumentando que estou a fazer mal as contas, pois com o primeiro-ministro a igualdade é restabelecida. Quem se ufana da mesquinha contabilidade e a apregoa aos quatro ventos são os próprios socialistas. Ora um governo com mais mulheres do que homens é a violação da sagrada condição da igualdade dos sexos. O Sr. Zapatero, incapaz de cumprir uma das suas bandeiras programáticas.

Tudo isto é uma inutilidade. Andamos entretidos a verificar (salvo seja) o sexo dos ministros, como se ter nascido com ou sem pénis seja requisito de competência. O problema está em quem emproa a respectiva dotação genital como critério para ser ministro de um governo. As coisas são-nos apresentadas dessa forma: não interessa saber quem são os melhores para ocupar o cargo de ministro disto ou daquilo, antes que x número de ministérios devem ter ministras e y ministros.

Dou comigo a discernir mais uma razão para a inexistência de deus. Se deus fosse a entidade isenta de defeitos como os crentes propalam, teria criado uma humanidade assexuada. Não haveria pénis e vaginas a diferenciar os humanos, para não andarmos nesta modernidade atarantados com as diferenças de género. Deus, existisse, seria responsável por este acidente genético. Como o acidente existe, uma prova irrefutável de que deus não existe.

Lamento a incapacidade de enamoramento com a seita da internacional socialista. Aliás, a cada passo que somos invadidos pelos ares modernaços desta esquerda apetece-me ser algo a que sou geneticamente adverso: conservador bafiento. Como me apetece resvalar para as franjas de uma qualquer esquerda radical de cada vez que vejo a blasé figura de Berlusconi, de cada vez que abre a boca e invariavelmente disparata. É a propósito de Berlusconi (nome tão a jeito por quase reproduzir a palavra “burlesco”, um retrato fiel do que é) que me surge uma perplexidade que traz de novo a questão do género à colação: na recente campanha eleitoral em Itália, na sua enésima manifestação boçal, o candidato da direita afiançou que as mulheres de direita são mais belas. Há uns tempos, lá dos lados da esquerda caviar, Joana Amaral Dias certificou que os homens de esquerda eram melhores na cama.

Ora aqui temos uma terrível desordem da natureza (e das ideias). Ou apenas a sublime harmonia da tolerância…

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