28.2.08

Os escuteiros e a parvónia


Somos, é verdade, uma gente que se leva muito a sério. Uma terrinha tacanha, sem poder de encaixe, apenas com sentido de humor quando os outros são suas vítimas. A pequenez mental de atribuir importância ao que é acessório, deixando de lado o que devia motivar atenção pela sua natureza essencial. A certa altura, a confusão é tal que já nem sabemos o que é acessório e o que é essencial.

Uma cadeia de lojas de electrodomésticos (Media Markt) congeminou uma campanha publicitária para mostrar que é lá que residem preços imbatíveis. Nada de novo, na batalha concorrencial que consome rios de dinheiro na publicidade, tentando convencer os consumidores que é numa determinada loja que é mais barato o que quer que seja, útil ou fútil. A empresa contratada pela Media Markt socorreu-se de personagens fictícias, vindas da “parvónia”, que ficavam deslumbradas com os preços reduzidos. Na linguagem corrente, uns cromos, é o que eram aquelas personagens. Vindos lá da parvónia – onde quer que isso seja –, trajando o pior que o kitsch pode mostrar, faziam-se acompanhar de um escuteiro.

Aqui o caldo entornou. Os habitantes da parvónia eram retratados em cenas hilariantes, sem saberem ao certo da utilidade de certos electrodomésticos. O zénite da imaginação dos publicitários: o escuteiro tentando aliviar as dores gástricas, sentado na cuba de uma máquina de lavar roupa. O escuteiro confundiu aquela abertura com a tampa da sanita. Como confundira o plano vertical com o plano horizontal. A associação nacional de escuteiros doeu-se. Protestou contra a ignomínia, considerou-se ofendida pela representação abusiva do escuteiro, que ali aparecia como a personagem mais estúpida daqueles “parvónios”. É interessante notar que quem tirou esta conclusão foi a associação nacional de escuteiros.

O protesto público obrigou a negociações entre a empresa e os representantes dos escuteiros. Sentaram-se à mesa, tirando ao precioso tempo uma fatia para discutir ninharias. A ofensa seria tanta que, para impedir uma campanha pública que se poderia virar contra a cadeia de lojas, o escuteiro parvónio deixou de acompanhar os restantes compinchas. Suponho, tudo em nome do respeito – neste caso, mais apropriado será mencionar o respeitinho, que é coisa diferente – devido aos escuteiros. Não fosse surgir uma contra-campanha apelando aos nobres sentimentos politicamente correctos, que logo gritariam o seu protesto contra o mau gosto da discriminação que ali surgia latente.

Não sei o que terá estado detrás da campanha publicitária. Desconheço se na equipa de publicitários responsáveis pela concepção da campanha coincidiram pessoas que não têm os escuteiros em boa consideração. Ou se o escuteiro ali retratado era apenas um indivíduo especialmente parvo, que era um escuteiro mas podia ser outro personagem qualquer, sem haver qualquer conotação negativa para os escuteiros. O que sei é que há dores de parto que podem lavrar a aleivosia de quem as grita. Carapuças que se enfiam desnecessariamente. Quem fica beliscado no rescaldo desta opereta bufa? Quem limitou a liberdade de expressão; quem tratou com excessiva seriedade um episódio sem importância (desde quando as mensagens da publicidade devem ser levadas a peito?); quem se auto-retratou, como grupo, na imagem estúpida que na publicidade era representada por um simples personagem. Os representantes do escutismo nacional ficaram muito mal na fotografia. Foram eles que quiseram confundir a árvore com a floresta.

O que é mais fantástico é não terem percebido o tiro no próprio pé. Podiam não ter dado importância à campanha publicitária: afinal, teriam os escuteiros algo a perder porque aqueles publicitários decidiram plantar um escuteiro como a mais parva das personagens acabadas de desembarcar da “parvónia”? Ou, se houvesse altivez, podiam mostrar capacidade de encaixe e rir-se com uma inocente campanha publicitária. Tudo ao contrário. E assim foram os escuteiros que passaram a imagem da seriedade cinzenta que nos amesquinha, que apouca esta gente pequena que tem o calo muito sensível sempre que fica na ribalta ao ser retratada de forma humorística.

Apetecia diluir a importância do lamentável episódio. Assim como assim, tal como à publicidade não se deve dar grande importância, também as reacções adversas à publicidade devem merecer o mesmo tratamento. Contudo, há uma diferença que impede o tratamento negligente da ofendida reacção dos escuteiros. Só pela limitação da liberdade de expressão já seria suficiente para os reprovar. Sobra ainda a soberba de quem se considera deveras importante, tão importante que qualquer ensaio jocoso de que seja vítima é logo lapidado em praça pública.

Porventura os ofendidos escuteiros dirão, puxando galões a um lugar-comum do marialvismo doméstico: “quem não se sente não é filho de boa gente”. E quem se sente assim, tão pateticamente, é o quê? No fim de contas, a imagem da parvónia da Media Markt passou a ser ainda mais deliciosa depois da reacção desabrida dos representantes do escutismo nacional. Resultado de sinal contrário: de como uma campanha patética passou a ser icónica. Porque é o que somos: uma parvónia sem remédio.

6 comentários:

Anónimo disse...

Gostaria de dar a minha opinião! O texto está muito bem escrito! Mas, umas coisas concordo e outras não! Não percebi muito bem se era contra os escuteiros protestarem ou se era a favor dos escuteiros.. Mas pronto!
Agora imagine a seguinte situação..
Imagine que era treinador de uma equipa de fuitebol, se surgisse um anuncio como este em que a sua equipa era "gozada".. Ficaria muito chateado e até era capaz de começar a protestar!
Mas, também temos de entender que cada pessoa tem o direito de ter a sua opinião! Eu sou escuteira e o escutismo é uma actividade como outra qualquer ou até muito melhor que muitas que andam para ai!
Bem, eu sou da opinião que os chefes de escuteiros fizeram bem, porque, tal como referi anteriormente, se fosse a sua equipa a ser gozada num anuncio de televisão também não gostaria e refilaria/protestaria!
Mais uma coisa, muitas pessoas dizem que os escutismo não presta e que é uma seca.. mas isso não é verdade! Muitos dizem isso sem experimentarem sequer, portanto a opinião desses não interessa muito!

Ser escuteiro é.. não tenho palavras para descrever o que sinto ao ter aquela farda e ao ser escuteira!

Uma vez escuteiro, escuteiro para sempre!

Anónimo disse...

uma beca estupido isto

Anónimo disse...

eu também sou escuteiro, e como a colega Carolina disse ser escuteiro é um pouco dificil de descrever.
Não é um passatempo, é um modo de vida, que só pode ser compreendido por quem pratica e de certa forma "ama" aquilo.
Tudo bem que apenas é exposto um individuo, mas digamos que a imagem dos escuteiros hoje nao é levada muito a serio, pois sou um rapaz apenas de 15 anos e existem elguns comentários de certa forma "estupidos" acerca disto.
Então com um anuncio desta especie penso que iria piorar a situação

Gonçalo disse...

Gostaria de deixar o meu contributo, apesar de talvez um bocado tardio, peço desculpa.

Primeiro gostaria de dar a conhecer um óbvio desconhecedor, que existem várias associações de escuteiros em Portugal, mas aquela à qual se refere, é o Corpo Nacional de Escutas, os quais fizeram essa demonstração de descontentamento. O que acontece é exactamente o facto de muitas vezes os escuteiros não serem levados a sério por muita gente. E esta campanha da media markt poderia fazer com que o minimo de respeito existente pelos escuteiros se pudesse começar a dissipar. A meu ver, é apenas uma campanha publicitaria. Quando vi o anuncio apenas me ri, não julguei a bem nem a mal, era uma campanha publicitaria e ponto final. Afinal de contas se é possível "gozar" com outros sectores no país que foram também postos no anúncio, porque não os escuteiros também? não vejo qualquer prejuizo. Mas por outro lado, os nossos sábios dirigentes com funções a nivel nacional decidiram que esta campanha poderia dar uma má imagem do escutismo, o que penso que também se pode achar compreensivel dado que hoje em dia todas as associações para jovens têm tendencia para ser desvalorizadas.

Não me vou prolongar muito mais, gostaria apenas de dizer também que os escuteiro/escoteiro/guias formam bons cidadãos, cidadãos aptos e com mentalidade para inovar o mundo em que vivemos. Além de outras competências sociais que se notam claramente num escuteiro/escoteiro/guia.

Anónimo disse...

eu nao percebi se o texto era contra os escuteiros ou nao ...
mas curto o escutismo
e escuteira um dia escuteira para sempre

Timescout disse...

Esse texto desse cara esta muito bem escrito mas se for contra os escuteiros nao sei qual o mal que nos escutas fizemos
"Escteiro agora, escuteiro para sempre" como BP disse.

Canhotas amigas

Timescout