16.1.08

O homem que foi à pesca de cobre


Um estrondo, medonho. Logo a seguir ao estrépito a luz foi abaixo. Espreitei pela janela a movimentação das pessoas, assustadas pelo troar que parecia a deflagração de uma bomba. Saí à rua, em direcção do ajuntamento que se formara à porta da estação da EDP, mesmo ali ao lado. As pessoas perguntavam-se o que teria acontecido. Começavam a surgir notícias via telemóvel: a alguma distância dali também tinha falhado a energia. Em redor era vasta a área que tinha ficado sem luz – saber-se-ia mais tarde.

De repente surge um homem, ensanguentado e célere. Tinha pulado a rede que protege a estação da EDP de intrusos. As pessoas estavam surpresas: o homem saía das instalações da EDP, em passo acelerado, tão acelerado quanto permitia a perna que mancava. O seu rosto misturava fuligem com vestígios de sangue que escorriam da cabeça. Percebendo que toda a gente olhava em sua direcção, o homem acelerou o passo. Alguém lhe perguntava se estava bem. Esboçou uma resposta imperceptível, um grunhido qualquer à medida que atravessava o ajuntamento. Só tivemos tempo para ver o homem a cambalear nos seus ferimentos, carregando um escadote de metal todo fragmentado e uma caixa de ferramentas.

Alguém, com mais conhecimentos, juntou os ingredientes. Aquele homem tinha causado o estrondo assustador. Ele tinha entrado à socapa na estação da EDP para roubar cobre. Operação arriscada – comentava o entendido. Teve que se dependurar num escadote e furtar o cobre alojado nas torres que transformam a alta tensão em electricidade que os lares podem consumir. Um gesto em falso, ou a inépcia do homem, e o fracasso do roubo.

O homem teve azar. E talvez não, alvitrava o popular entendido no assunto: quem ali entrou preparado para roubar cobre correu perigo de vida. A operação podia saldar-se com a electrocussão do homem. Sair a mancar, com alguns arranhões e uns traços de fuligem que custariam a lavar, o escadote de metal despedaçado e as mãos a abanar, eis a sorte do homem por entre a fracassada operação de furto.

A polícia, com a diligência habitual, apareceu dez minutos depois de termos ficado às escuras. Demorou dez minutos a percorrer cerca de trezentos metros – a distância entre o local e a esquadra mais próxima. Os agentes, nada apressados, confirmaram que já não era a primeira vez que a estação da EDP era assaltada. Das outras vezes, o cobre não tinha sido furtado à luz do dia. E das outras vezes, os roubos com sucesso, um acto profissional. Em conversa com os populares, já indignados – e não com a anterior comiseração pelo desgraçado imerso em fuligem e sangue –, os polícias disseram que por todo o país são frequentes os assaltos a estações da EDP. O cobre tem algum valor e é fácil de roubar, para quem o souber fazer. Não é arte para principiantes. Aquele homem de meia-idade e, percebia-se pelos andrajos, de origem humilde, estaria ainda no tirocínio da arte de furtar cobre nas estações da EDP.

Naquele dia aprendi que há quem ponha a vida em perigo para roubar uns fios de cobre e vendê-los ao desbarato. Só não percebi quem faz as vezes da procura neste mercado subterrâneo. Ninguém o perguntou ao polícia que estava mais interessado em responder às perguntas das pessoas do que em fazer delas testemunhas da “ocorrência”. É sintomático o cenário que desfilou diante dos meus olhos. Como há gente que tudo arrisca na ânsia de arrecadar um pedaço de cobre que lhe valerá uns míseros dinheiros. A lógica do crime anda de braço dado com o risco, em doses variáveis. E com uma ética distorcida (ou uma falta de ética, apenas). Não consigo reprimir a perplexidade quando são descobertas pessoas que arriscam tanto por tão pouco. Será o desespero que as leva pelos meandros da criminalidade, a urgência em arrecadar fontes de subsistência através de métodos duvidosos, ilegais. Ou apenas a preguiça dos que lêem na criminalidade a fonte de rendimentos fáceis, e todavia arriscados.

Haverá, em tudo isto, o miserabilismo da gente que nem percebe como uns parcos dinheiros do pequeno furto podem trazer graves danos corporais, ou até a morte. Pus-me a pensar: aquele homem teve discernimento para medir o risco que corria por tão pouco? Chegaria, sequer, a ter discernimento para alcançar aquele discernimento?

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