11.1.08

Ministro é que a profissão mais dura


Não é o mineiro, laborando horas a frio nas profundezas da terra, inalando poeiras que lhe hão-de roubar a vida antes do tempo. Nem o lixeiro, que recolhe os detritos que fazemos, suportando o odor fétido da imundice numa função a destempo. Ou o operário da siderurgia, cercado pelo ruído ensurdecedor das máquinas, suado como se fosse corpo deitado numa sauna infernal. Nem será a meretriz, de rua ou de bordel de luxo. A profissão mais ingrata é ser ministro. Se for teimoso, arrogante, com a certeza da sua providencial sapiência que o converte em fautor de políticas polémicas. Políticas que viram a turba contra si.

Fico angustiado ao ser observador de manifestações de rua contra o senhor ministro disto ou daquilo. É de uma injustiça atroz. Os descontentes abusam da democracia e da bondade dos governantes. Os governantes, que tanto se sacrificam para servir a pátria; que entregam as suas superiores capacidades intelectuais à causa nobre do serviço público – e depois vem a fraca recompensa de serem desafiados em público, com uma multidão folclórica em procissão pelas ruas, empunhando cartazes que beliscam o bom nome do senhor ministro. Da ingratidão em estado puro. Tamanha manifestação de ingratidão daria lugar a intervenção policial para dispersar os analfabetos incapazes de perceber o alcance das políticas escolhidas a dedo pelo iluminado ministro.

Quando alguém chega a ministro diz adeus à privacidade. Se o ministro vai ao cinema, sabe-se qual foi o filme escolhido. Se o ministro vai a um restaurante, as línguas viperinas apressam-se a circular os apetites gastronómicos de sua excelência. Os livros que compra, a música que ouve, os locais de férias – e com quem as passa –, o sítio onde compra a fatiota a preceito: andam de boca em boca. O aziago ministro tem a vida devassada pelos mirones que observam, registam com atenção e passam a palavra com a impressão que estão a contribuir para a andança da nação (quando só fazem dela uma pálida alegoria). Se alguém mantém uma vida paralela, com amantes e tudo, ou mete a vida nos eixos ou não pode almejar ser ministro. É que tudo, até pormenores, se descobrirá.

Vejo a horda a desafiar o frio da noite em mais uma manifestação contra a política obstinada do ministro. Não querem que feche o hospital da terra. Empunham cruzes, trazendo um ar clerical para a manifestação que, na minha escassa inteligência, não chego a discernir razão. Os cartazes habituais reclamam o contrário da decisão do ministro. Alguns exalam cinismo. Chamam nomes feios, enxovalhando o ministro em público e diante das câmaras de televisão, sempre atentas a captar o ruído de fundo.

A certa altura, um dinamizador do protesto toma conta do microfone e profere oratória. Longe de elogiar o ministro, como devia ser obrigação de qualquer cidadão de perfeito juízo – porque só esses é que ajuízam da bondade das medidas. Desenterra o machado de guerra contra o ministro. Deprecia a sua inteligência. E questiona a sua honradez. O ministro teve direito a uma alcunha pouco confortável: Gepetto. O orador fez uma pausa para a turba reagir ao diagnóstico. Silêncio a dominar, umas pateadas e escassas gargalhadas. O orador indagou a audiência: “vocês sabem que é o Gepetto?” E como a ignorância das gentes não soltava resposta convincente, o orador teve que oferecer resposta à sua interrogação: “é o pai do Pinóquio!” E soltou-se abundante gargalhada.

Tudo isto é lamentável. As gentes deviam aprender a respeitar quem as governa. Devia ser ensinado nos bancos da escola por mestres diligentes: que nunca se questionam os ministros e que em ocasião alguma devem ser ultrajados. E ainda é mais lamentável, porque a comparação do líder da manifestação deve ter confundido as massas: se o Gepetto é o pai do Pinóquio, haveria ali alguma alusão à protuberância nasal do primeiro-ministro? É que, nesse caso, o vândalo terminava por sugerir que o ministro da saúde é o inspirador do primeiro-ministro, numa intolerável inversão dos papéis. Não se pode duvidar da autoridade do timoneiro. Sugerir que um dos seus ministros o manobra devia ser punido com cadeia inapelável.

Não aprendemos a ser obedientes com os que albergam o poder. Será por isso que os senhorios do poder são medíocres de primeira apanha?

Sem comentários: