11.10.07

Música espiritual (Nitin Sawhney, "Nadia")

As buscas sonoras podem trazer gratas surpresas, novidades que abrilhantam o palco da criatividade, mostrando um terreno infinito por explorar. Às vezes, escasseiam as novidades que seduzam a audição. É nessas alturas que retomo propostas já conhecidas, arquivadas na memória, já não escutadas há largo tempo. Por estes dias revisitei Nitin Sawhney. Um músico inglês de origem indiana, ecléctico, que faz a fusão de sonoridades diversas, sem esconder as suas origens indianas.

Há músicas de Nitin Sawhney que me fazem mergulhar nas profundidades do ser. É quando o músico mostra temas instrumentais, onde surgem tímidas vozes que são elas mesmas suportes que embelezam a composição, sons guturais que actuam como instrumentos musicais. Músicas que me atiram para sítios exóticos, onde a perenidade do ser encontra os seus sedimentos. Diria: uma digressão pelos alicerces do ser, algum misticismo que os sons suaves e misteriosos perfumam com doçura. Sim, uma música espiritual. Sem resíduos de religiosidade.

Alguns desses sons evocam paisagens bucólicas onde os ecos do silêncio trazem escondidas as melodias que povoam o cérebro. Lugares onde a vista se demora, convocando a contemplação das coisas, com os olhos bem abertos retendo todos os detalhes da vasta paisagem que se estende tão longe que o horizonte parece não ter fim. Os sons ecoam incessantemente, o fértil campo de rosas onde o corpo rebola, perfumando-se. O refúgio necessário nas horas em que a deriva para o mais profundo do ser é uma exigência indeclinável. A música de Nitin Sawhney – aqueles temas instrumentais, altares de uma calma conquistada – feita de encomenda para palco da introspecção.

A inspiração indiana à mostra, que se funde com outras sonoridades ocidentais, modernas. Nisso se encontra também a sedução das propostas musicais de Nitin Sawhney. Dizem que o exílio nas profundezas do espírito encontra o seu zénite na misteriosa Índia, altar sagrado para o encontro com o recôndito lugarejo que alberga os sedimentos desconhecidos da existência. Só que não é imperativo demandar a Índia para marcar encontro com os lugares inabitados que povoam o território desconhecido do ser. Todos temos as nossas Índias, que podem nem ser os geográficos expoentes que a Índia oferece. Se é verdade que há músicas que moldam o estado de espírito, encontro em Nitin Sawhney um dos expoentes do encontro marcado com as profundezas do ser.

A musicalidade funde-se com o ensimesmar temporário. Se há exílio pelas calçadas que só o ser conhece, e se esse exílio carece de companhia musical – o substracto que acama o povoamento da introspecção – os sons de Nitin Sawhney são o vestuário feito à medida. As ideias parecem fluir com um discernimento invulgar, alimentadas pelo repouso do espírito emoldurado pelas sonoridades arrastadas e exóticas. Os ecos do mais profundo do ser, imperceptíveis nos dias comuns, revelam-se na sua cristalina forma. É a música espiritual que se serve como sua musa inspiradora. Um chão polvilhado de flores, uma caleidoscópio de odores intensos que desvelam os segredos ainda escondidos nas entranhas nunca visitadas. Não há ameias tão altas que sejam obstáculos. Tudo se descobre na sua nitidez, como se houvesse a magia dos sons que deixam à mostra o que outrora era uma confusa amálgama, um enigma sem solução.

Nas Índias que vogam no espírito, acompanhadas pelas sonoridades sedutoras de Nitin Sawhney, descubro o ser na plenitude que julgava ausente. Ajudam os sons a ecoar as facetas escondidas. Um processo de envelhecimento, suave e sereno, acomoda o tempo que não é a agreste árvore que denuncia os ponteiros do relógio a caminho do final.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tiro o chapéu ao último parágrafo.
E agora ouve "Anthem without nation", 9ª música do mesmo disco, bem alto.
Que outras facetas escondidas aparecerão?

Ponte Vasco da Gama