13.9.07

Para a alfombra do socialmente incorrecto: não, os ricos não devem pagar mais impostos


Há dias, o editorialista do Público asseverava que todos concordamos que os ricos devem pagar mais impostos. Tenho um problema com os iluminados que sentenciam consensualidades, como se estivessem mandatados para falar em nome de todos – e como se fosse um dado adquirido que todos remam no mesmo sentido, sem haver lugar a dissidências. Se uma voz basta para furar o unanimismo, eis que me ofereço para desmentir o editorialista do Público: não, os ricos não devem pagar impostos mais elevados. E não, nem todos entoam esse cântico.

Há um erro crasso na petição de princípio: quando se diz que “todos” admitimos a necessidade dos mais ricos terem de arcar com um sacrifício fiscal mais oneroso, damos por assente que pagam menos do que deveriam pagar. É o problema da dimensão subjectiva: quando é convocada a produzir os seus efeitos, perturba o simplismo de qualquer análise. É que uns podem achar que os ricos deviam pagar impostos mais elevados, enquanto outros já estão satisfeitos com o ónus que suportam – e as opiniões podem variar ao longo do tempo. Em segundo lugar, se levássemos ao limite a petição de princípio, até onde iria o aumento dos impostos dos ricos? Taxas próximas dos 100%? Que riqueza se produziria então, se quase toda seria confiscada?

Há um adágio popular que desmente a verdade insofismável do jornalista: quem vai com toda a sede ao púcaro arrisca-se a parti-lo. E assim os predicados do socialismo (moderno ou ainda embrulhado nas vetustas vestes de antanho) expõem a sua vacuidade retórica. Parece consensual que os ricos devam pagar mais impostos. Argumenta-se que o sacrifício para a construção da sociedade não pode obedecer a uma distribuição proporcional consoante o nível de rendimento ou de riqueza. Que devem ser os mais abastados a suportar o fardo mais pesado, pagando impostos com taxas mais elevadas. Os rendimentos do trabalho mais elevados são penalizados com taxas de imposto que se aproximam dos 50%. Traduzindo, quem tiver a fortuna de auferir estes rendimentos principescos sabe, à partida, que quase metade fica retida do outro lado, a favor dessa abstracção chamada “sociedade”.

Podia discutir a razoabilidade do princípio “os ricos que paguem a crise”, que durante os saudosos anos do Verão quente foi mote para os abundantes murais pintados pelos revolucionários. Ou a falácia do conceito de “solidariedade social”. Prefiro ajuizar a eficácia da ideia. São mesmo os ricos que pagam impostos mais elevados? Quem não conhece alguém abastado que refugia contas bancárias na Suíça ou num paraíso fiscal, para não ter que suportar os exagerados impostos que teria que arrostar se as domiciliasse na Lusitânia? Quem não travou conhecimento com empresas que estabelecem sede fiscal no estrangeiro, tirando partido de um regime fiscal mais favorável? O efeito é lapidar: riqueza criada cá dentro e tributada lá fora. No rescaldo, o socialismo mergulhado numa crise de coerência, por carência de receitas fiscais que fogem (com cobertura legal) para outros lugares.

Mas no fim sobra o discurso tão belo dos engenheiros sociais que convencem as massas – todos, no sapiente entendimento do editorialista do Público – de que os ricos devem mesmo pagar impostos mais elevados. Mudam as regras, aumentam as taxas de impostos, aperfeiçoam a máquina persecutória do fisco, instituem um clima de terrorismo fiscal, com entorses a princípios básicos do Estado de direito (a inversão do ónus da prova: o contribuinte acusado de fuga ao fisco é que tem que provar a sua inocência). A máquina de cobrança de impostos tão bem oleada e, no final, os mais ricos começam a emalar a riqueza e a pagar impostos em lugares distantes e mais generosos para a sua abastança. O fisco, por cá, de mãos a abanar. O preço a pagar pela ganância socialista.

Admitir que os ricos devem pagar impostos mais elevados é um tiro no pé. Pelos sinais da economia, pela debandada da riqueza para o estrangeiro, não são os ricos que pagam a factura mais elevada da “construção da sociedade”. O socialismo milagroso sai defraudado. Só que os generosos socialistas não o confessam e insistem no discurso que atrai votos e afasta a riqueza para outros sítios. É um socialismo autofágico: por mais riqueza que emigre na direcção de impostos mais simpáticos, menos receita e, o que é mais importante, menos disponibilidade para investimento cá dentro. Ora, com menos investimento, como se estimula a economia? Como se criam mais empregos?

Nem sempre o que parece é. Quando damos por assente que “todos” concordamos que os ricos devem pagar mais impostos, talvez fosse melhor pensar demoradamente nas consequências do pressuposto antes de o elevar à categoria de verdade insofismável.

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