28.2.07

Proíbam-se as manifestações!


É a vontade que percorre o íntimo do ministro da saúde. Tirando o chefe da banda, este é o instrumentista mais arrogante, mais presunçoso, com menos poder de encaixe à opinião dissidente. São recorrentes os episódios de má educação de Correia de Campos, quando interpelado por jornalistas não domesticados ou adversários responde de forma agreste, ruborizando de fúria, impensável que é haver alguém que discorde de sua excelência.

Na mais recente polémica em que o ministro furacão se envolveu – a extinção de urgências hospitalares em diversos municípios, a contra-gosto dos autarcas e dos munícipes – Correia de Campos usou um tacticismo opulento. Elevou a parada, que fez soar as sirenes nos municípios afectados, para depois recuar aceitando negociações. Sem deixar cair a máscara, pois afinal não se tratou de um recuo mas de uma manobra negocial que trouxe os autarcas ao encontro do objectivo que teria definido à partida (sem, contudo, o anunciar). Pelo meio, a exibição do grotesco anti-democrático, pelas meias palavras do ministro e pelas palavras sem peias de uma qualquer secretária de Estado, lugar-tenente do ministro: aos municípios, só resta a negociação. Fica o aviso sublime: se vierem para a rua em manifestações de protesto, nem sequer há negociações.

Um dos embaixadores deste governo teve uma tirada que só pode ter sido resultado de uma momentânea distracção: “para os recalcitrantes ficou a alternativa: ou entram em negociações e obtêm alguma contrapartida, ou prosseguem a contestação e ficam sem nada...”. Eis o espírito reinante entre os socialistas que nos governam. A contestação entrou no domínio do crime de lesa-majestade. Compreendo que para o governo tão atento aos detalhes de imagem, as vozes de protesto que ecoam nas ruas sejam tudo menos música de violinos para os seus ouvidos. Compreendo o incómodo do governo quando depara com opiniões diferentes da verdade oficial que nos tenta impor. É nestas alturas que o diagnóstico se descerra diante dos meus olhos com uma nitidez impressionante: quase trinta e dois depois, a democracia ainda tão longe da maturidade. Os aprendizes continuam a confundir maioria absoluta com exercício ditatorial do poder.

Por portas travessas, proíbe-se aquilo que a lei proíbe de proibir. A liberdade de expressão e a liberdade de reunião são atributos de qualquer democracia que se preze. Esta não é a opinião dos magníficos governantes socialistas que acamparam no poder absoluto. E se lhes fica mal impedir as manifestações onde são apregoadas palavras de ordem contra decisões do governo, dá-se a volta pelo outro lado: atira-se a cenoura para a frente dos dissidentes, seduzindo-os com a possibilidade de negociações; se teimarem em desfilar na rua, nos protestos audíveis que tanto dano causam na sagrada imagem do governo, “ficam sem nada” (nas palavras sugestivas do embaixador do governo).

Não, esta não é a táctica da cenoura que faz mover o asno. É a táctica que encapota o pau que vai e volta nas costas dos manifestantes. Quem o manuseia é o ministro da saúde, que ficaria melhor a embelezar uma qualquer ditadura. É uma criatura muito perigosa, Correia de Campos. Não esconde a aura de predestinado, o homem que sabe mais de saúde que todos os demais especialistas juntos. Só ele sabe da poda. E como se não bastasse anunciar-se como providencial figura, como se não fossem suficientes as lamentáveis exibições de intolerância, ainda apanhamos os excessos de personalidade diletante do ministro: as piadas de mau gosto soltam-se da sua boca desbragada, sem que o chefe lhe dê um puxão de orelhas público (porventura o chefe da banda é dos poucos – para além da entourage do ministro obrigada a rir-se da piada de mau gosto, não vá o ministro ficar a rir-se sozinho – a apreciar o duvidoso sentido de humor de Correia de Campos). Em poucos dias, duas pérolas de humor ministerial: primeiro destilou fina ironia fazendo-se interessado na vida interna do PSD, surgindo como promotor da liderança eterna de Marques Mendes; depois, no mais deplorável humor: não sei se toldado pela etilização de um lauto repasto, sentenciou que a diminuição da sinistralidade rodoviária se explica pelo encarecimento dos combustíveis.

Da mesma forma que Correia de Campos, lá no seu íntimo, gostaria de proibir por decreto todas as manifestações que o contrariam, porque não multá-lo de cada vez que liberta o seu humor de mau gosto? É o que dá quando campónios ascendem na escala social e desaguam na centelha do poder. Deslumbram-se com o dito, deslumbram-se com o brilho que vêm em si mesmos, e passeiam este grotesco sentido de humor. São ditadores em potência. Cuidado com eles!

1 comentário:

Rui Miguel Ribeiro disse...

Perigoso só o será na medida das decisões disparatadas que vai tomando, por quanto ao resto, não tardará a sair pela porta do cavalo a caminho do anonimato condizente com a sua insignificância.