14.11.06

Perigosos socialistas que refazeis a História

É perigosa a internacional socialista. Uma sarna pegajosa, que se insinua nos poros e vem, branda, com a sugestão de ser a infalível consciência da modernidade. Só eles estão certos. E provam, com uma facilidade estonteante, que os adversários não têm razão, não podem ter razão. Vogam ao sabor das conveniências. São mestres na arte do transformismo, porque os ventos que sopram de outra feição obrigam a engavetar doutrinações de antanho. Mas continuam fiéis a si mesmos: não são eles que mudam, os tempos e os eventos são voláteis perante a inevitabilidade histórica do socialismo (agora moderno).

Lições a rodos. Sempre empertigados, sempre senhores das verdades irrefutáveis que disseminam na sua generosa veia educativa das massas. São messiânicas personagens que reúnem os consensos, palavra tão em moda. Detrás do pano corre a verdadeira cena, fervilham os socialistas genuínos: intolerantes que querem, pelo espartilho da democracia, estender o manto socialista de uma ponta à outra, sem deixar membros dissidentes de fora. A urgente busca do consenso contém a essência do mais intolerante que se pode conhecer.

Desde sempre desconfiei da aparente bondade dos socialistas. Tenho-os como lobos em pele de cordeiro. Incapazes de lidar com a crítica e com as ideias que lhes são antagónicas. Incapazes de entrar num debate com espírito tolerante, perdem as estribeiras quando percebem que a troca de argumentos traz o fantasma da derrota.

Distinguem-se pelo julgamento da História. Há países onde os socialistas, ainda mais que os comunistas, querem passar uma esponja pelo passado tenebroso das ditaduras de direita. A Universidade de Santiago de Compostela retirou o doutoramento honoris causa a Franco. Os bons socialistas andam entretidos a limpar da toponímia local nomes ligados ao fascismo. As ruas são rebaptizadas, como se o nome apagado das placas que encimam as esquinas nunca tivessem existido.

A “boa memória” anti-fascista é uma campanha dos socialistas espanhóis, que se aproveitam do governo para limpar de vez os restos sujos do regime deposto em 1975. Os socialistas espanhóis especializaram-se na revisão da História. Quando se pensava que refazer a História fosse exclusivo dos hediondos funcionários do partido comunista da União Soviética, que retocavam fotografias para eliminar traços de pessoas entretanto caídas em desgraça (e ainda não dispunham do Photoshop…), afinal as manobras estalinistas têm seguidores nos tempos modernos. São os socialistas que se reclamam feitores da modernidade. Sinais dos tempos…

Não consigo entender energias gastas no supérfluo. Acaso alguém acredita, de boa fé, que o ressurgimento de ditaduras de direita é ameaça credível? Os socialistas espanhóis não se conseguem desprender do registo histórico. Dir-se-ia que vivem aprisionados pelos fantasmas da ditadura franquista, como se Franco se pudesse erguer da tumba e, com um cavernoso grito de ordem, chamar os fiéis para derrotar os democratas. Um povo que vive preso aos fantasmas enterrados no passado é um povo mesquinho, receoso do futuro, descrente dos dias que hão-de vir.

Que fique bem entendido: como qualquer ditadura, a do Generalíssimo vindo de Ferrol, Corunha, foi um exercício deplorável que enegreceu as páginas da História. Quando vejo as sumidades socialistas entregues a estes actos de revisionismo histórico, há um cínico sorriso que não consigo reprimir: é então que me lembro que estes artífices do politicamente correcto reproduzem os execráveis actos de censura do passado em que os próceres comunistas se especializaram. E só temo que a evolução destas mentalidades distorcidas não faça dos socialistas os repressores de amanhã. Os precedentes vêm da História – da mesma História que se afadigam em reescrever. Os nazis eram ideologicamente influenciados pelo socialismo (nacional-socialismo, era a doutrina). E agora os socialistas modernos parecem os discípulos dos torcionários comunistas.

As páginas da História estão emolduradas, para o bem e para o mal. Pois o tempo só apaga as memórias, não os acontecimentos. Se há lição a reter – para além da perigosa deriva revisionista que traz o fétido odor a Moscovo tingida de vermelho – é a seguinte: quem vai deslizando para a intolerância dúctil não é credor de confiança. Temo que esta leva de socialistas seja coveira da liberdade de expressão, dos valores que eles se dizem penhores acima de qualquer suspeita.

Esse é o problema: quem se põe em bicos de pés por estar acima de qualquer suspeita mais depressa resvala para o que menos se suspeita. Quando dermos conta, poderá ser tarde demais. Então será muito, e demais, internacional socialista.

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