3.10.06

“Compro o que é nosso – Made in Portugal” – ou o nacionalismo económico é uma saloiice


Vai começar uma campanha que nos sensibiliza, honrados cidadãos que prezam a pátria, a comprar produtos com a chancela nacional. O “made in Portugal” toca o âmago da afectividade patrioteira. Faz lembrar os meninos que ficam para trás e, com uma choradeira bem orquestrada, clamam pela piedade dos fracos de espírito.

Campanhas deste tipo são um anacronismo. São a negação da globalização, da abertura das fronteiras aos produtos que chegam de outros países, da prosápia de fazermos parte da União Europeia, com a sua política de portas escancaradas aos que os outros parceiros querem vender no solo pátrio. E, no entanto, de tempos a tempos deparamos com estas campanhas que ressoam ao mais bafiento salazarismo. Concedo: na campanha não há sinais visíveis do slogan que afamou Salazar. Não se vê nenhures uma ideia que ecoe o “orgulhosamente sós”. Ao convidar os consumidores portugueses a puxarem lustro à pertença lusitana como cartão de embarque à preferência pelo que é produzido entre muros, diria que esta é a fórmula moderna do “orgulhosamente sós”.

Quem recomendar aos concidadãos para não tocarem em bens importados, escolhendo concorrentes “made in Portugal”, assina a confissão da sua incapacidade. No jogo limpo, há empresas portuguesas relegadas para a traseira do pelotão. O fantasma da crise cresce, ameaçador. O jogo deixa de ser limpo, tolda-se com a seta de Cupido que os publicitários enviam, através do cartaz, aos consumidores desprevenidos. Desatentos, dirão “presente” quando convidados a “comprar o que é nosso”. Para perderem dinheiro de cada vez que o façam.

De repente, estou a imaginar um cenário idílico: o empresariado lusitano recolhido na campanha, com a bênção das esquerdas que noutras batalhas denunciam os lucros generosos que esses empresários não partilham com o “operariado”. De mãos dadas, pois o sucesso de uns coincide com a estratégia dos outros. Há que não esquecer, as esquerdas são militantemente a favor dos interesses das classes desfavorecidas. Sabem que o rumo errante das empresas nacionais inscreve o desemprego na agenda das prioridades. O cenário mais fantasmagórico que um “operário” pode recear por estes dias. As esquerdas hão-de andar na rua a fazerem a pedagogia patrioteira dos empresários portugueses. Estranha aliança, é verdade, mas a convergência de interesses obriga a engolir sapos.

Pena é que esquerdas e sindicatos não percebam que o alistamento na campanha que toca ao coração amolecido do concidadão seja contrário ao que defendem. O “nacional é bom” para os bolsos dos abastados empresários que vêm adensadas as nuvens negras ao sentirem que a concorrência com os outros expõe as suas fraquezas. Se não conseguem ser competitivos, é sinal que de outros países chegam bens mais baratos, de melhor qualidade. Permitindo poupanças aos consumidores. Eis como as esquerdas não percebem o logro em que caem: seduzem o “operariado”, que já vive à míngua, a preferir o que “é nacional”. O “operariado” empobrecerá alegremente, agarrado à bandeira nacional, que decerto não lhe dá sustento. Os empresários, contentes com o sucesso da campanha, e com os bolsos mais cheios. Com a bênção das esquerdas. Irónico!

Os mais atentos estarão prontos a retorquir: é impensável que as esquerdas e os sindicatos alinhem na campanha. São inimigos figadais dos empresários. Discordo: se o fizerem estão a abandonar à sua sorte os “operários” das empresas que de outro modo caminham para o declínio. Não é essa a sua função. Só lhes resta a “má companhia” dos empresários, puxando também eles pelo brio de ser português. No seu caso, pela solidariedade classista que os obriga a não deixarem na orfandade os “operários” que são a sua base social de apoio.

Um ingrato dilema sobre as cabeças dos esclarecidos militantes desta causa. Se ao menos as suas vozes se fizessem ouvir, as vozes que ecoam cânticos contra a maléfica globalização que nos torna permeáveis ao que vem de fora. Essas vozes dissidentes que querem revisitar uma espécie de Albânia fechada sobre o seu umbigo. Desgarradas vozes, só lhes restam estratégias batoteiras para que, pela afectividade, os consumidores rejeitem o que não é nacional. Ainda que isso seja mau para a maioria dos cidadãos que não podem deixar de ser consumidores.

Assim como assim, é muito duvidosa a noção de democracia das esquerdas e de certos empresários ainda saudosos de um regime que terminou há mais de trinta anos. Irmãos de armas, é o que são, por mais que se julguem inimigos de sangue.

1 comentário:

Anónimo disse...

boa noite,
pode dar-m um exemplo de uma marca portuguesa que venda artigos exclusivamente em portugal?
obg