13.7.06

O que importa a estética


Não é a apologia do beautiful people. Não se trata de pôr nos píncaros as caras larocas dos jovens e das jovens que se colocam em bicos de pés para ficarem retratados nas páginas das revistas cor-de-rosa, ou em sites que difundem a esplendorosa vida nocturna mais quem a frequenta. Deste tipo de beautiful people não há muito a dizer. São apenas o embrulho. Lá dentro, apenas uma caixa de ar, ressonância do nada que são.

E, no entanto, faço o elogio da estética. Nas pessoas, nas coisas, nas paisagens. Há os líricos que insistem em depreciar a beleza exterior, sobretudo das pessoas, porque as coisas e as paisagens não têm a aclamada “alma” – argumentam os ditos líricos. Depreciam a beleza, asseverando que o que interessa é a beleza interior. Têm alguma razão. Há muito mais interesse em manter uma relação com uma pessoa que seja inteligente, com traços de personalidade atraentes. Diz a voz corrente que as deslumbrantes modelos que se passeiam nas passerelles só fazem bem ao ego dos seus acompanhantes masculinos, pela inveja que provocam na homenzarrada geral. Descontando este aspecto de exterioridade (pavonear a companhia, nutrir a inveja alheia, que ambos os aspectos fazem bem ao ego enorme de pequenos egocêntricos), os “felizardos” ou são tão vácuos com a sua esbelta companhia, ou vivem atormentados pela companhia de uma criatura intelectualmente desinteressante.

Ainda assim, insisto, a estética conta. Tanto pela positiva como pela negativa. Conta pela positiva, porque os exemplares que retratam a beleza são como uma luz que alumia um dia escuro. Mas também conta pelo lado negativo, a estética. Como há os apoderados pelo desamor, há os devedores da beleza. As Odetes Santos deste mundo, desdentadas figuras que ostentam a barbicha que as masculiniza, aquela clarividência assustadora, a mania que são penhores da razão. Não é só a antítese da estética que as torna aterradoras: à figura pouco simpática à vista, junta-se o carácter. O monopólio da razão, os laivos de intolerância, a arrogância militante, a incapacidade para lidar com quem mostra ideias diferentes – eis os traços que desfeiam ainda mais quem não foi agraciada pela deusa da beleza.

Não concordo quando me dizem que a estética não conta quando escolhemos a pessoa com quem partilhamos a vida. Podem-me tentar convencer que é a beleza interior o chamariz principal. Até podem jurar a pés juntos que é fácil viver com a pessoa intelectualmente mais interessante do mundo ainda que ela seja um monumento à fealdade. Direi que se trata de lirismo puro em doses avantajadas. Há um argumento que desmente o lirismo: ainda que seja aos olhos daquela pessoa, há sempre alguma beleza exterior que influencia o inexplicável Cupido. Pode dar-se o caso da tal pessoa ser o arquétipo da fealdade aos olhos de todos, menos da pessoa que se deixou enfeitiçar e que consegue discernir traços de beleza que mais ninguém tem capacidade para ver. Nem que seja pelo feitiço que se apoderou da pessoa apaixonada. Aí vinga a estética.

Estarei a ser injusto e apócrifo ao ajuizar tanta importância à estética. Poderei cair em contradição, quando recordarem a minha corrosiva visão da “gente bonita” que se aperalta por nada de substancial. Mas há um paralelo entre as pessoas e as paisagens. Tal como as paisagens, as pessoas não podem fugir ao crivo da estética. Poderão contrapor que as paisagens são coisas, despersonalizadas, destituídas da essência mais nobre de uma pessoa – a alma. E mesmo assim tecemos loas a paisagens esplêndidas, fazemos poemas inspirados na beleza das paisagens. Só lunáticos ou quem alinhar por padrões não convencionais de estética se aventura a cantar a beleza dos subúrbios das grandes urbes europeias, apinhados de fábricas, onde o fumo toma conta da atmosfera, o verde das árvores está ausente e as pessoas circulam circunspectas, infelizes. Que há lugar ao subjectivismo é ponto assente: há quem se deixe inebriar pelas paisagens lunares dos desertos; quem fique embeiçado pelas curvas suaves das planícies alentejanas, mesmo na aridez estival que empresta uma cor ocre às vastas planícies; eu prefiro o verde do Minho, os socalcos do Alto Douro, as serranias de Trás-os-Montes.
E se há lugar às escolhas pessoais ditadas por diferentes padrões de estética quando olhamos para as paisagens, decerto o mesmo acontece com as pessoas. Vermos beleza ou fealdade ou apenas indiferença numa pessoa significa que a estética fala mais alto. Mesmo aos que afiançam o divórcio da estética. É genético: a beleza – como a fealdade – descerra-se diante dos nossos olhos, queiramos ou não admiti-lo.

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