18.7.06

À falta de músculo, viagra


É uma invenção maravilhosa. Quando as hormonas masculinas arrefecem o seu ímpeto e o músculo viril amolece, as pílulas azuis são um elixir milagroso. Enrijecem o que tendia para o amolecimento. São uma espécie de poção mágica que restaura alguns anos perdidos no bilhete de identidade. Este governo, que dá brado por exibir um músculo férreo no autoritarismo que traz alguma direita embeiçada, precisa de doses cavalares de viagra se quiser ter o proveito e não apenas a fama.

Este governo gosta de ostentar a sua autoridade. Daí às manifestações de arrogância de alguns ministros – a começar pelo chefe de todos eles – é só um passo. Daí às declarações perfumadas pela intolerância, onde se dá a entender que só o senhor ministro é que tem razão, outro passo. Os episódios multiplicam-se. Por exemplo, a legislação a impor multas aos banhistas que desafiem a bandeira vermelha hasteada nas praias onde o mar encapelado ameace a sua segurança. Nunca se tinha ido tão longe. Como muitos veraneantes ousavam fazer vista grossa à bandeira, um burocrata qualquer lembrou-se de adicionar multas pesadas à infracção. A juntar ao autoritarismo sem precedentes, um laivo de paternalismo: fica sempre bem ao governo preocupar-se com a segurança dos súbditos, nem que para tal tenha que mostrar o músculo através da chancela da multa.

À entrada da época balnear, listagem das praias com água imprópria para banhos. Notícias e mais notícias, placas nas ditas praias proibindo a entrada dos banhistas nas águas poluídas, mais a bandeira vermelha hasteada. O povo, ou por não perder tempo a ver noticiários e a ler jornais, ou por achar que é mais inteligente que os especialistas da matéria, continua a entrar na água e a banhar-se nos coliformes fecais. Também aqui, sem surpresa: um povo merdoso sente-se bem a chafurdar no meio da merda diluída no oceano. Pais e prole, mais os avós para caucionar com a sua experiência de vida, vai tudo a banhos. Assim como assim, dizem, “a água está com a cor de sempre”. Burros são os cientistas que insistem que aquelas águas podem trazer doenças epidérmicas e outro tipo de maleitas. Só pode ser má fé, por serem ratos do laboratório, magricelas esbranquiçados com vergonha de desnudar os corpos na praia.

E quando se esperava que o governo mostrasse a firmeza do seu músculo, agora que está acobertado por leis que permitem multar os ignaros que desrespeitam a bandeira vermelha, apenas a demissão do paternalismo que não passou de uma promessa vã. É caso para dizer: entradas de leão, saídas de sendeiro. Há dias, em Matosinhos (uma das praias com águas proibidas), dois agentes da polícia marítima foram cumprimentar o banheiro de serviço. Fitaram o firmamento. Entre o firmamento e a sua vista, a populaça refrescava-se nas águas empestadas. Era só sacar do bloco das multas e o pecúlio arrecadado seria um importante contributo para corrigir o desequilíbrio das finanças públicas. Olharam e olharam, não sei se à procura dos melhores exemplares do sexo feminino que por ali andavam. Nas suas barbas, dezenas (ou centenas) prevaricavam sem passar pelo incómodo de se sujeitarem ao penoso braço da autoridade.

Era a imagem do músculo flácido deste governo. Tanto prometeu, com leis punindo o desrespeito da bandeira vermelha, com a campanha exaustiva sobre os malefícios de banhos em águas fétidas, tantas multas prometeu – e, afinal, um redondo nada. A decepção total. Como se fosse aqueles garbosos machos que prometem façanhas a donzelas excitadas e depois ficam-se pelas palavras – onde são capazes de desempenhos fantásticos, mas só nas palavras.

Ainda estou para perceber o significado de tudo isto. Talvez seja bom sinal. De um governo que tenta dissuadir pela força das multas, mas que chegado o momento de as aplicar se demite da função. É bom, para o anarquista, ver que a autoridade das autoridades está de rastos. Por outro lado, temos um povaréu que tanto gosta de votar PS e que, na primeira oportunidade, rejeita a autoridade daqueles que elegeu. Um povo adulto, com tendências anárquicas (só para o que lhe convém…). Não é para aqui chamado o sintoma de tudo isto: um povo inculto, que se acha mais informado que os cientistas que descobriram que as águas empestadas de coliformes fecais são um perigo para a saúde pública.

Grande o dano que o episódio traz para a imagem de autoritarismo que o governo tem cultivado. De tanto querer mostrar um músculo de ferro, chegada a hora H o que se vê é um músculo descaído, amolecido. O viagra existe para maleitas do género.

1 comentário:

Rui Miguel Ribeiro disse...

Pior do que cidadãos tomarem banho em águas impróprias (desde que informados), ou o assobiar para o lado dos polícias marítimos, e o que verdadeiramente me arrepia (além da temperatura da água do Atlântico), é intrusão descarada, paternalista e cada vez mais omnipresente do Estado na vida dos cidadãos. Repara: se o mau estado da água do mar ou de um rio está devidamente assinalado e, não obstante, o cidadão optar por mergulhar no mercúrio, cádmio, dejectos de uma pocilga, ou até num depósito de urânio enriquecido, o problema é dele. Desde que não prejudique terceiros, cada um tem a liberdade de fazer as imbecilidades que quiser (permito-me sugerir um post publicado em http://rosa-laranja.blogspot.com em 17/06/06, "Explica-me Como se Eu Fosse Muito Burro" que versa o mesmo tema).
É claro que o cidadão que decide dar um mergulho com a bandeira vermelha recebe uma multa; mas um ministro que decide fazer um aeroporto faraónico numa localização aberrante, com custos incalculáveis para Portugal, recebe o quê?
Viva o Socialismo!