4.7.06

Do pragmatismo fracassado


Deve o idealismo ceder lugar ao pragmatismo? Ou deixar vingar a honestidade intelectual, manter-se arreigado à fidelidade das ideias que não deixam aceitar certas incumbências? Ou deixar de voar em castelos no ar, deixar de acreditar que as nuvens acasteladas são porto seguro para acostar, dar a vez a uma faceta pragmática da vida?

Os idealistas empedernidos são relutantes ao pragmatismo. Sobretudo quando estão presos ao radicalismo de ideias seguras e, no entanto, tão seguras como irrealizáveis. Se o são, irrealizáveis, os idealismos não passam de teimosia, de uma ardente necessidade de afirmar a diferença perante ideias que dominam o mundo feito à sua volta. Noutros casos, a exultação da dissidência apenas pelo gosto de afinar por outro diapasão, a vocação inata para ser um desalinhado. Por vezes, a dúvida: se as ideias são genuinamente cultivadas e fermentam a dissidência, ou se é o espírito desalinhado que leva a procurar ideias embrenhadas na densidade da utopia.

Preso aos idealismos, perde o fio ao sentido do real. Como se fosse uma ave que descola num voo que plana sobre a realidade, fosse o voo a maneira de ver a paisagem de uma posição superior. Ave não é, nem voar pode. A ilusão de planar pelo céu azul com a aura da superioridade intelectual que o idealismo lhe traz é isso mesmo, uma ilusão. A vida a sério, como as coisas são, obriga a retomar o contacto com a terra. É quando desce do voo planado e tranquilo pelo mar das ideias que percebe que as ideias são irrealidades furtivas. O terreno é espinhoso mas o único onde os pés conseguem caminhar.

Sente o apelo do pragmatismo. De um trago só, o sabor amargo do contraste que separa o idealismo platónico das tortuosas ruas palmilhadas no quotidiano. Questiona o pensamento. Interroga os meandros esconsos a que o remete, o pensamento. Responsável pelo divórcio com a realidade, com o passo desalinhado com o urgente pragmatismo. Vê desfilar um mar de oportunidades que se perdem entre os dedos, tal como se fosse o vento agreste que bate nos dedos e foge de novo, para repousar noutros lugares, noutras pessoas. Quando da pontual sintonização dos sentidos, voga à superfície a demanda do pragmatismo, um apelo veemente para abdicar de idealismos que não desaguam em lugar algum.

Aprisionado pela teimosia das ideias, derrota o pragmatismo uma e outra vez mais. As ameias do castelo são barreiras que impedem ver cá para fora. Por entre as ameias cintila o tentador apelo do pragmatismo, uma luz que brilha apenas do lado de lá do amuralhado refúgio. A luz não entra nas muralhas. Ou, quando de tanto teimar consegue adentrar, é já uma luz baça, cansada de tanto esbarrar na teimosia dos idealismos enraizados. Do alto do castelo, o idealismo remete-o a uma prisão de si mesmo, incapaz de derrubar o pesado portão de ferro que o separa dos indeléveis fenos da realidade.
Concede: vezes de mais agrilhoado aos dogmas que espartilham o pensamento, manietam uma vida que podia ser diferente, aquietada com o mundo que o cerca, o mundo onde o acaso lhe deu guarida. Finda a introspecção, a conclusão de sempre. Incapaz de se desligar do pêndulo do idealismo, portadas fechadas aos apelos do pragmatismo. Prefere ser honesto com a sua consciência. Não abdica das ideias que fazem o substrato do que é.
O pragmatismo é uma miragem, uma luz ilusória com a intenção de varrer as ideias que foram sendo cimentadas. Não se entrega ao pragmatismo que traria uma falsa reconciliação consigo mesmo. Prefere a genuinidade das ideias, ainda que as ideias sejam um pequeno ponto num imenso mar que corre para o outro lado. Ainda que as ideias sejam dolorosos repositórios de um mundo inalcançável.

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