14.6.06

Dicas para não respeitar o código da estrada


Quem não sonha em transgredir as regras bafientas do código da estrada e saber, à partida, que sobre ele (ela) não vai cair a mão pesada da justiça? Quem não gostaria de carregar no pedal direito, numa auto-estrada plana e sem trânsito, para sentir a adrenalina da velocidade vertiginosa, sem ir com o credo na boca por temer que uma brigada de trânsito traiçoeira o (a) venha a apanhar em flagrante delito?

Boas notícias para quem está em desacordo com o código da estrada: soube há dias que a brigada de trânsito tem instruções para fechar os olhos aos carrões do Estado que voam nas auto-estradas. A infracção passa impune. Justificação oficial: “viaturas em serviço oficial”. Os radares desligam-se nessa altura. Ou então os carrões dos figurões são como aqueles aviões ultra-modernos da força aérea dos Estados Unidos que conseguem voar sem serem capturados pelos radares. Eu digo: a isto chama-se infringir alarvemente. Mas, no fundo, é de boas notícias que se trata, porque os inestimáveis socialistas que estão convencidos que nos governam apregoam a toda a hora o valor da igualdade. A sagrada igualdade é ponto de honra, pelo menos na retórica inconsequente de governantes e afamados homens do aparelho partidário cor-de-rosa.

Se todos somos iguais – verdade insofismável dos socialistas – também quero usufruir das benesses dadas aos carrões do governo quando passam a velocidades impróprias debaixo das barbas dos senhores polícias da brigada de trânsito. Também quero fazer um Porto-Lisboa sempre a mais de duzentos à hora, no sossego de não me saber incomodado por um senhor agente da brigada de trânsito a brandir lições de moral, empunhando o código da estrada na mão esquerda como se fosse a sua bíblia sagrada, enquanto com a direita vai gatafunhando a multa que arromba as finanças pessoais. Se somos todos iguais, governantes e governados, certifiquem-me que as regalias dos primeiros não me podem ser cerceadas. Ou a igualdade não passa de uma miragem, de um golpe de asa da retórica que encanta o eleitorado para depois o iludir na governação.

Até sou modesto na reivindicação. Não reclamo a possibilidade de fazer vista grossa aos semáforos, prática habitual quando as comitivas de pessoas importantes desfilam pelas ruas das cidades. Apesar das ruas estarem enxameadas de semáforos, e da praga de semáforos às vezes criar dificuldades ao trânsito (em vez de o regular), são um mal necessário. O vermelho é para parar, o verde é para circular, o amarelo é para carregar no pedal do acelerador para escapar ao vermelho. Não quero para mim a prerrogativa de avançar alegremente com o sinal vermelho, com uma escolta de batedores cavalgando as suas potentes motas a parar o trânsito que tem o semáforo verde para si. Se há coisa que me mete espécie é esta pressa inusitada dos figurões, na especial condição de poderem escapar às regras mais elementares do código da estrada. Encontro uma explicação plausível: a governação não se compadece com atrasos, não pode ficar à espera que o semáforo abandone o vermelho e passe para verde. As tarefas da governação são mister urgente que não pode esperar pela chegada do semáforo verde.

Por este andar, qualquer dia os privilegiados do poder vão por outros trilhos que sulcam os mares da desigualdade de tratamento (que os favorece, como é lógico). Qualquer dia, quem sabe se os governantes ficam eximidos de pagar impostos, afinal o prémio pelo espírito de missão quando se entregam à causa pública. Como servidores do Estado (longe de mim pensar que eles se abancam à mesa do orçamento e se servem do lauto manjar que desfila através das funções que exercem…), devem ser agraciados com a dispensa de pagamento de impostos.

O rol de privilégios que negam a sagrada igualdade (que não passa de letra morta na boca de políticos mentirosos) não teria fim: as filas em repartições públicas, só para a gentalha comum; nos restaurantes, desalojar uma mesa ainda que os comensais estejam a meio da refeição, não vá o senhor ministro ficar irritado com a demora em ser servido; ir abastecer o automóvel de combustível e mostrar o cartão do governo para sair da bomba com o depósito gratuito; no verão, lugares reservados aos automóveis dos senhores importantes nos parques de estacionamento de praias concorridas, mesmo junto ao acesso pedonal ao areal, para suas excelências mais a prole e a consorte não serem obrigados a dar à perna sob o sol abrasador.
De tudo isto, apenas quero o privilégio de poder escorregar o pé direito no pedal do acelerador com a condescendência dos agentes da autoridade. Peço pouco.

1 comentário:

Rui Miguel Ribeiro disse...

Eu queria era que os obsoletos e ridículos limites de velocidade fossem alterados! 120 km/h numa auto-estrada? É para adormecermos? Para nos fazer perder tempo? Para dar trabalho aos caça-multas e receitas ao tesouro?
O limite nas auto-estradas devia ser de 160 km/h e nas estradas devia ser variável, mas isso nunca acontecerá porque dava muito trabalho e o Estado não quer ter muito trabalho. Já lhe chega atrapalhar a vida dos cidadãos.