17.5.06

Quando o direito ao bom nome tresanda a censura encapotada: Margarida Rebelo Pinto e o livro “Couves e alforrecas”

Margarida Rebelo Pinto não caiu no goto dos críticos literários afamados. E, no entanto, é um dos nomes com mais cartel no mercado livreiro. Um caso típico de desfasamento entre a putativa influência dos críticos literários e a audiência. Esta não se deixa seduzir pela crítica especializada. Em vez disso, o povo que se quer literato entrega-se no regaço da chamada “literatura light”. Um produto das revistas cor-de-rosa, que até escritores repescados do jet set consegue fabricar.

Nunca li os livros da autora. As poucas experiências que tive com a sua escrita foram crónicas de página inteira no Jornal de Notícias. Li um punhado delas, só para “saborear” o travo da escrita da autora que começava a fazer tanto furor no mercado editorial. Para apreciar o fenómeno e ter uma aproximada ideia da sua escrita. Meia dúzia de crónicas foram suficientes. Para sequer continuar a ler as crónicas que semanalmente dava à estampa naquele jornal, muito menos para gastar o meu precioso dinheiro na profusa obra que a autora vem lançando.

Há semanas foi publicado um livro – “Couves e alforrecas” – que pretende desmistificar Margarida Rebelo Pinto como autora de sucesso. O autor, João Pedro George, meteu ombros a uma obra homérica: devorar a “obra” completa de Margarida Rebelo Pinto. Dissecou-a como um patologista trata um cadáver numa autópsia. E descobriu que a autora faz plágio a si mesma. Em “Couves e alforrecas”, George denuncia Margarida Rebelo Pinto como um embuste. Fazer plágio de outrem é crime punido por lei. Quando alguém se auto-plagia comete a desonestidade intelectual de enganar os leitores. Estes, por distracção, ou por memória curta, ou por terríveis incapacidades hermenêuticas, compram e compram e compram cada livro assinado pela autora e não detectam nada. O diagnóstico é pouco simpático para a turba de admiradores da autora “pop”: ignorância, ou gosto pelo repetitivo.

Margarida Rebelo Pinto enfureceu-se quando soube que alguém se aprestava a publicar um livro que a acusava de auto-plágio. Reagiu com vigor: através de providência cautelar, tentou impedir a publicação do livro de João Pedro George. Invocou ofensas ao bom nome. E alegou que com “Couves e alforrecas”, George estava na senda do sucesso editorial à custa do seu nome de autora. Por outras palavras, acusou George de ser um parasita que queria chegar aos píncaros do sucesso editorial usando o nome da conceituada autora. Pelo caminho, argumentou que o seu nome artístico é uma marca. Como George não tinha pedido autorização para utilizar a “marca”, o livro estava preenchido de ilegalidades por todos os lados.

Percebe-se a reacção desabrida de Margarida Rebelo Pinto. Pisaram-lhe o calo e ela doeu-se. A ser verdadeira a tese de George, Margarida Rebelo Pinto é uma falsária. Um caso de locupletamento autoral. Se é verdade o que George mostra no seu livro, Margarida Rebelo Pinto não tem direito a sentir-se ofendida. Ela devia sentar-se no banco dos réus por ter defraudado todas as pessoas – e são muitas – que compraram os seus livros. E é patético alegar que o nome artístico “Margarida Rebelo Pinto” é uma marca. As marcas são coisas, um nome artístico pertence a uma pessoa. Não se imaginava que a autora, por portas travessas, se coisificasse a si mesma.

Há aqui uma tentativa de exercício de censura. Se George consegue provar, de forma articulada e sem resvalar para a ofensa pessoal, que a autora se auto-plagiou consecutivamente, não há motivos para ela se sentir ofendida. As pessoas não se podem ofender com a verdade. A reacção agreste, ao tentar censurar pela via judicial a publicação de um livro que não é simpático para o seu nome, é isso mesmo – censura e nada mais. E quando já estávamos acostumados a viver sem a censura institucionalizada do Estado Novo, temos esta erupção de censura individual. Pela parte que me toca, se nenhuma simpatia existia em relação a Margarida Rebelo Pinto, a coisa entra agora no plano dos odiozinhos de estimação.

E, no entanto, há algo de estranho em todas estas manobras. Suspeito que, no rescaldo da polémica, Margarida Rebelo Pinto aumente as suas vendas. O povinho português adora praticar comiseração com as vítimas de males execráveis. Margarida Rebelo Pinto há-de aparecer como a vítima, perseguida por alguém que engrossa as fileiras da elite intelectual – esses abjectos seres que deploram o povo, que se alcandoram ao altar de superioridade moral, tão distantes do povo rasteiro, tão intocáveis. Margarida Rebelo Pinto empreende a saga da coitadinha. Irá recolher os frutos dessa estratégia. Terá João Pedro George feito um favor à autora light?

1 comentário:

Rui Miguel Ribeiro disse...

Pois eu espero que se engane ness previsão. Segundo parece as vendas dessa senhora têm estado em queda, o que terá provocado a reacção desesperada e infrutífera: já vi as couves e as alforrecas (que raio de nome) numa livraria. Se ela se sentisse efectivamente ofendida, processava-o por difamação e podia ser que o dito George fosse condenado a comprar 15.000 livros da Margarida, engrossando-lhe os records e a conta bancária. De qualquer modo, por mim, as vendas dos livros da MRP vão manter-se estáveis, com ou sem legumes: nunca comprei e parece-me mais provável comprar uma alforreca do que um dos seus livros!