28.3.06

A ruptura: a aventura do emigrante

A deportação forçada dos emigrantes portugueses no Canadá traz-me algumas reflexões. Sobre o fenómeno da emigração. Em particular, o que a emigração significa para quem se aventura em terra estranha. A acreditar no adágio, é a necessidade que aguça o engenho. As pessoas dispõem-se à aventura num país estrangeiro porque procuram uma vida melhor. Os emigrantes são a tradução do país aziago que deixam para trás.

Apostam numa vida melhor, sem garantias que a aventura fora do país garanta mais bem-estar.Partem para o desconhecido, na ênfase do travo aventureiro de quem pega na trouxa e deixa família, amigos, hábitos e o ternurento amor à pátria. Instalam-se num país tão estranho que nem sequer a língua conhecem. Imagino a desorientação do emigrante quando chega a um local e não percebe o que lhe dizem, não compreende o que lê quando anda nas ruas. Alguns dirão: são essas pessoas que se desembaraçam melhor, muita linguagem gestual, aprendendo em pouco tempo as palavras básicas que abrem as possibilidades de comunicação. Pegando no emigrante típico, desinstruído, imagino a atrapalhação da língua estranha, a impossibilidade de comunicação, as paredes altas que se erguem nos momentos iniciais após a chegada à terra distante para onde emigrou.

O estereótipo do emigrante não é simpático. Há uma imagem negativa do emigrante, no regresso sazonal à santa terrinha em tempo de férias, ou quando decide que chegou o momento de terminar a aventura da emigração. O estereótipo alimenta o imaginário: as duvidosas opções estéticas, o alambazar de música pimba que enriquece os artistas do género (que encontram no emigrante o seu filão), as casas que descaracterizam a paisagem rural, na importação espúria de elementos arquitectónicos de mau gosto que desfeiam a paisagem.

Trazem o sotaque que adquirem na terra para onde emigraram, tantas vezes com neologismos forçados que são apenas o assassínio da língua mãe que desaprenderam no estrangeiro. Outras vezes querem afirmar a sua superioridade em relação aos nativos, como se a condição de emigrante lhes desse algo mais em relação aos concidadãos que nunca tiveram o rasgo de sair da terra que os viu nascer. Outras vezes, falam nas línguas que aprenderam nos países que os hospedaram. Passam um atestado de ignorância a quem os ouve, acreditando que somos analfabetos na língua que aprenderam na terra da emigração. Sem surpresa: nunca conheceram a escola onde se ensinam aquelas línguas.

É fácil zombar dos emigrantes quando regressam ao contacto connosco, nativos que vegetamos no rectângulo que encerra o sudoeste da Europa. Conceda-se, são os emigrantes que se põem a jeito da troça. Nem por isso se pode esquecer o acto de bravura de um emigrante quando se lança no desconhecido. Empacota os seus parcos haveres e parte para uma aventura que não sabe se vai compensar. Os emigrantes de agora partem com o capital da experiência dos emigrantes antepassados. A aventura no desconhecido era total quando as primeiras pessoas abandonaram o país em demanda de uma vida melhor. Agora sabem que isso é possível. Olham aos exemplos de abastança que alguns emigrantes gostam de ostentar quando se pavoneiam na aldeia, no Agosto de férias que os vê de regresso. Os que ousaram partir à aventura, sem exemplos para se escudarem na tranquilidade do menos desconhecido, tiveram uma heroicidade que rivaliza com a empresa aventureira dos descobrimentos. Foram eles que desbravaram terreno, partiram sem saber se a vida nova ia trazer a recompensa esperada. Uma aposta no escuro.

Há outro factor perturbador na emigração, quando alguém se aventura sozinho, deixando família e amigos para trás. Chegar a um local desconhecido, com uma língua ininteligível, hábitos novos, alimentação esquisita, não são os desafios maiores. É a solidão que invade o espírito, um deserto imenso pela frente até começar a cultivar novas relações pessoais. A perturbação de novas pessoas por conhecer, novas relações por sedimentar. Este seria o desafio maior, caso algum dia tivesse planos para partir à aventura, sozinho, em emigração.

1 comentário:

Anónimo disse...

Grande Paulo,
So umas linhazitas para te dizer que concordo com quase tudo que aqui escreveste! Principalmente com as ultimas linhas em que escreves
"... Chegar a um local desconhecido, com uma língua ininteligível, hábitos novos, alimentação esquisita, não são os desafios maiores. É a solidão que invade o espírito, um deserto imenso pela frente até começar a cultivar novas relações pessoais...." Paulao acertaste em cheio!!!

Um abraco
O teu amigo "canguru".