28.12.05

O preconceito das fortunas

Ruben de Carvalho, religiosamente militante comunista, escreveu o seguinte na habitual crónica de domingo no Diário de Notícias:

Mas a verdade é que se alguém que amealhou o que oitocentistamente chamaríamos "vastos cabedais" resolve comprar quadros e esculturas, desenhos e gravuras, mobiliário de estilo e cerâmicas em vez de Ferraris e Lamborghinis, acho que a diferença lhe é francamente favorável. Se depois, em vez de alugar o autódromo do Estoril para ir com meia dúzia de enricados experimentar as "máquinas", entende expor as suas compras, abrir um museu, ou dois ou três – melhor ainda.

O cronista opinava sobre a polémica da colecção Berardo, que esteve quase a abandonar o rectângulo pátrio devido à incompetência dos burocratas do ministério da cultura – tão zelosos na guarida da cultura nacional e, no entanto, tão empenhados em exercitar egos pessoais que estão acima do património cultural. Ruben de Carvalho elogiava Joe Berardo, que enriqueceu e não desatou a comparar “Ferraris e Lamborghinis”, dedicando-se à nobre actividade de amealhar um invejável pecúlio de arte.

As frases de Ruben de Carvalho suscitam-me dois comentários. Primeiro, a congénita repulsa perante as manifestações de riqueza alheia. O cronista pressupõe que a fortuna, quando ultrapassa um certo limiar (que, para informação dos ingénuos, bom seria que fosse quantificado), é perversa. Por isso é que informei, a abrir o texto, que Ruben de Carvalho é um devoto militante comunista. Daqueles que parou no tempo e continua a acreditar na cartilha marxista-leninista divulgada nos anos 60, 70 e 80. Ignora que o comunismo em que acredita foi banido, restando uns “oásis” que vegetam como curiosidades antropológicas. Ruben de Carvalho, e os empedernidos comunistas, têm direito à sua fé ideológica. Apenas se dispensavam os arrotos que permanecem agrilhoados a quadros mentais que se vão perdendo com o fio da memória.

Estes comunistas continuam a acreditar que a riqueza é um malefício que deve ser combatido. Ainda e sempre fiéis às máximas marxistas: o conflito de classes, o materialismo histórico, a opressão de um numeroso exército de pobres por uma elite de muito ricos. Os desvios do passado não lhes causam repulsa: a confiscação de riqueza, versão moderna do Robin dos Bosques em pré-graffitis espalhados pelas paredes nos tempos pós-revolucionários: “os ricos que paguem a crise”. Pergunto: e quando a crise não existe, os ricos pagam o quê?

Que moralidade têm estas personagens para julgarem a forma como os outros usam o seu abundante dinheiro? Que superioridade intelectual para censurarem os rios de dinheiro que os abastados gastam em coisas comezinhas – sejam “Ferraris e Lamborghinis”, iates, festas de ostentação, exibicionismos pueris, sexo barato com mulheres caras, o-que-quer-que-seja? Podemos convergir (eu e Ruben de Carvalho) na identificação do que é ostentação; podemos ambos concordar que na posse de tanto dinheiro não nos prestávamos às figuras ridículas que tantas vezes os “enricados” se prestam. Onde divergimos, eu e Ruben de Carvalho, é na aceitação do livre arbítrio de cada um, que está acima de qualquer pretensa “responsabilidade colectiva”: Ruben de Carvalho enfatiza a responsabilidade colectiva e asfixia o livre arbítrio de cada pessoa. Com as consequências torcionárias tão conhecidas.

Segundo comentário, acerca de mais uma alegada ilustrarão da superioridade das esquerdas: a pretensa imunidade ao preconceito. Que, afinal, é uma falácia num só acto. As afirmações de Ruben de Carvalho demonstram como um dos sacerdotes da ortodoxia comunista perfuma o seu raciocínio com a aleivosia do preconceito. Como quem diz: “eu acho que as fortunas dos multi-milionários são de desconfiar”, uma desconfiança metódica. Mas se os multi-milionários desatam a comprar arte em vez de ostentarem bólides, beneficiam de alguma complacência. E eis como, desembrulhado o papel de celofane que corporiza a imagem de pessoas descomprometidas com o preconceito, os comunistas que ainda vivem no passado não conseguem escapar ao preconceito.

Aliás, ninguém consegue fugir ao seu pecadilho preconceituoso. Uns admitem-no, outros vangloriam-se de serem os campeões do não-preconceito, sem darem conta de como se embrulham na maior das contradições.

2 comentários:

Anónimo disse...

Todos temos os nossos preconceitos, mais ou menos assumidos, as nossas pequenas ou grandes invejas, as nossas contradições, mais ou menos evidentes,os nossos telhados de vidro, mais ou menos resistentes,os nossos jardins secretos mais ou menos vistosos.

Que o ano de 2006 te traga tudo o que desejares.

Carter

Anónimo disse...

Zapatero anti- americano, anti- catolico. Zapatero es mason