8.12.05

A grande teoria da conspiração



Ou a teoria da grande conspiração, é indiferente. Fico embevecido com os seus teorizadores. Desconfiam do capitalismo, dos capitalistas – essas nefandas personagens que só se interessam com o lucro, invenção terrível, o macabro dinheiro culpado da materialização dos laços. Os detentores do capital só querem enriquecer ainda mais, nem que tenham que espezinhar os que para eles trabalham e os que consomem o que eles produzem. Desde pequeno habituei-me à iconografia dos maus e dos bons. Este mundo a preto e branco retrata os cultores da teoria da conspiração, para quem o mundo se divide entre os maus (um punhado cheio de poder e dinheiro – coisas que andam de braço dado) e os bons (a esmagadora maioria, os oprimidos).

Achamo-nos num mundo preenchido de injustiça. A culpa é do poder desmesurado do capital, das grandes empresas que conspiram a toda a hora. Querem manter os cordelinhos do mundo. Aspiram a erguer um muro intransponível, que as separa das pessoas vulgares que vivem a vidinha sem os prazeres mundanos que a riqueza farta compra. Os hediondos capitalistas reúnem-se em segredo, congeminam artes de oprimir mais ainda os oprimidos de sempre. Cultivam a exclusão, ao votarem à sobrevivência de mínimos milhões e milhões de pessoas espalhadas pelas quatro partidas do mundo.

Os perversos capitalistas são a imagem viva do egoísmo elevado à máxima potência. Só querem meter ao bolso lucros mais gordos, o que exige o sacrifício dos que sempre foram oprimidos. Há que cortar regalias, desde salários que não sobem a benefícios sociais tolhidos com o beneplácito de governos em conluio com os detentores do capital. Governos da tenebrosa direita – essa coisa que devia ser extinta, em nome da verdade e da justiça social –, mas também governos que alimentam uma retórica socialista e que se deixam comprar pelo odioso capital.

A teoria da conspiração tem ramificações deliciosas. Como se não bastasse a compartimentação estanque do mundo que os seus defensores oferecem – o porco capitalista a sugar o trabalhador até ao tutano – zurzem na doença do consumismo. De quem é a culpa? Inevitavelmente, dos capitalistas que espalham a sua rede de influências (as maléficas empresas multinacionais) e estendem padrões de consumo que se uniformizam por todo o lado. É altura de descer a chibata sobre a malfadada globalização, que semeia o pessimismo de oportunidades entre os que vivem à míngua de recursos, engordando a riqueza ostentadora dos abastados.

Os fautores da conspiração controlam as mentes da horda de consumidores. Deixam-se seduzir pelos atractivos bens de consumo que alimentam lucrativas actividades. O rebanho dos fanáticos do consumismo não tem livre arbítrio. As suas consciências são formatadas pela maquinação dos capitalistas, que se servem da publicidade para penetrar nas mentes dos que são dados aos excessos de consumismo. Corrompem-nos por dentro, aliciam-nos ao consumo sem cessar, uma febre consumista que é boa para os capitalistas que com ela enriquecem, má para os incautos consumidores que se endividam para além do razoável.

Quem ganha com o endividamento colectivo? Os bancos, esses agiotas da idade moderna que emprestam dinheiro aos viciados do consumismo. Como se não bastasse a doença do consumo em massa, quantas vezes desnecessário, os lucros dos capitalistas redobram em função dos créditos concedidos. Fica provado como o execrável capitalismo acentua as diferenças entre ricos e os que o não são, enclausura os oprimidos numa célula de onde lhes é impossível escapar. Pelo caminho, os poucos capitalistas pavoneiam a sua abastança, conquistada pela opressão de uma silenciosa maioria de trabalhadores com direitos restringidos e consumidores alienados que vão no engodo do consumo fácil e fútil.

O pior é que nada disto é democrático. A desproporção de poder é iníqua. Os poderosos são os que vivem na opulência, os que conseguem dominar os cordelinhos do poder político sem passarem pelo crivo do voto. Além deles, vegeta uma imensa maioria silenciosa, as massas a quem devia ser dada voz e poder, a quem devia ser oferecido o controlo das empresas onde trabalham. Isso sim, seria democrático. É tempo de denunciar vacas sagradas que cimentam injustiças inadmissíveis: destrua-se o mito do direito de propriedade, ele que é o esteio da distribuição injusta da riqueza, que sedimenta um mundo desigual de opressão aos mais fracos.

De tanta desconfiança exarada, pergunto-me se os arautos da teoria da conspiração não desconfiam deles mesmos. Se perdessem o rasto ao universo de preconceitos que domina a sua existência, talvez então compreendessem que o avanço que registamos tem o dedo do capitalismo. Como era divertido simular um oásis nas trevas do capitalismo, remetendo esta gente para o casulo, como experiência em condições reais. Eles, tão habituados aos confortos que o capitalismo proporciona – ainda que não consigam dar conta disso, ou se recusem a fazê-lo, embriagados pela casta de preconceitos que os habita – em breve tocavam à campainha para regressarem ao mundo real.

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