7.9.05

Um duro golpe no orgulho “tuga”

Não sou dado à lamechice de defender com unhas e dentes o bom nome pátrio. Há os que ficam ofendidos quando a honra lusitana é vituperada por estrangeiros. Na proverbial apetência para desdenhar de nós mesmos, só aos nossos permitimos o luxo de dizer mal da gesta lusitana. Quando são estrangeiros a zombarem de nós, saímos do sério e berramos de pulmões abertos a nossa indignação.

Na revista “Única” do Expresso do último fim-de-semana, vinha notícia de um restaurante português que abriu na exigente e cosmopolita Londres. O nome do restaurante é infeliz – Tugga, adicionando um “g” ao insólito apelido que alguém inventou para a selecção de futebol quando fez triste figura no campeonato do mundo no Japão e na Coreia do Sul. O Tugga é um restaurante de luxo, reza a crónica. Resultou do arrojo de quatro jovens que decidiram largar as carreiras de sucesso na ousadia de uma aventura gastronómica. Invejo-lhes a audácia. Um secreto projecto que guardo na prateleira das coisas de momento irrealizáveis. Por isso a reportagem despertou a minha atenção.

O acolhimento entre os críticos gastronómicos locais não foi o melhor. A jornalista reporta dois testemunhos pouco simpáticos para o restaurante. O crítico do Times entra a matar na sua apreciação: com uma perigosa generalização, quando assevera que Portugal é “um país tão esquecível que ninguém se preocupa em encontrar uma alcunha para ele”; e quando tece uma curiosa reinterpretação da história, anunciando que “há uma teoria que diz que Portugal só teve um império porque estava desesperado para ter sexo”. Quando larga estas generalizações bolorentas e mergulha na idiossincrasia gastronómica, remata com a apreciação “bastante horrorosa” da cozinha nacional, de que diz apenas se aproveitarem os pastéis de nata.

Outro crítico, do Observer, também não foi benévolo. Desta vez não houve teorizações esconsas sobre o ser português, apenas uma apreciação do restaurante, que é ao mesmo tempo um libelo sobre a cozinha lusitana. Tendo detestado o serviço gastronómico do Tugga, o crítico acha que o restaurante se distingue pelo compromisso entre o “armado ao pingarelho e a comida camponesa”. Sem parar, a inclemência cortou a direito para sentenciar que “não é porque os camponeses decidiram fazer orelha de porco em vinagreta que a torna uma invenção gastronómica ”.

Nestas coisas de orgulho nacional sou um pouco apátrida. Vejo com bons olhos a maledicência que nos corrói e faz de nós um povo que se auto-detesta. Um espírito crítico aguçado é o melhor atributo para evitar uma das piores características do homem contemporâneo: o chauvinismo que recupera da bruma da memória nacionalismos demodés, varrendo o passado lamentável de guerras sangrentas feitas em nome de uma grandeza nacional, de exacerbados nacionalismos. Nisto distinguimo-nos de espanhóis, franceses e, em menor medida, alemães e ingleses. Cada qual à sua maneira, todos se acham investidos de uma superioridade divina, os escolhidos, acima do garbo que os outros povos têm direito de exibir.

Mantenho-mo apátrida quando vejo estrangeiros a serem pouco simpáticos com as idiossincrasias nacionais. Não me afectam: porque não me revejo nos aspectos que são alvo da zombaria; e porque é redutor colocar os povos em compartimentos estanques apenas porque estão separados por fronteiras. Apesar disto, não pude deixar de soltar uma sonora gargalhada ao ler as apreciações ásperas dos críticos londrinos. Mais ainda porque são especialistas gastronómicos. Vindo de quem vem, soa a ridículo. Estou à vontade para o afirmar, porque até tenho muita simpatia por British way of life. Exceptuando a horrorosa gastronomia das ilhas britânicas. Claro que nisto da comida entramos no campo da pura subjectividade. Se os ingleses se alambazam com ovos mexidos, salsichas e bacon frito e feijões ao pequeno-almoço, estão no direito de pontuar os seus hábitos dietéticos com este carrossel de colesterol.

Do que conheço da gastronomia britânica, ela fica a perder, e de longe, para a portuguesa. Já sei, serão os hábitos que moldaram o palato que me fazem mais sensível aos prazeres culinários lusitanos. Nem tanto, porque sou aberto a novas experiências gastronómicas, e tenho deparado com boas surpresas, com misturas de ingredientes que seriam impensáveis para os padrões nacionais e que resultam numa excelente combinação. Coisa que nunca encontrei no Reino Unido. É por isso que não compreendo as ácidas apreciações dos críticos citados no Expresso.

Depois há a pérola histórica: com que então fomos para a aventura dos descobrimentos porque estávamos desesperados por sexo? Falam os homens que deixam as inglesas tão insatisfeitas que, quando elas tocam território lusitano, acreditam que chegaram ao paraíso…É caso para dizer: quando as frustrações se acumulam em catadupa, a aspereza tolda o discernimento.

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