26.7.05

O povo merdoso

Este, o que conheço. Medíocre gente que se ufana de imbecis façanhas, garbosa, sem alcançar o ridículo que a cobre no estertor de feitos que roçam a boçalidade. Mercê da ideia estabelecida de que cada maior de idade que não seja inimputável goza de igual direito de voto, este é o povo responsável pelas incompetentes personagens que têm sentado o rabo no cadeirão do poder. Estão bem uns para os outros, eleitos e eleitores.

Povo definhado por múltiplas razões. Indulgente consigo quando devia ser exigente, exige do próximo o que não consegue obter de si. Falta-lhe inteligência, falta-lhe civilidade, falta-lhe decoro, faltam-lhe hábitos de higiene. Resta a ausência de discernimento que o faz prosseguir a alegre caminhada rumo sabe-se lá bem ao quê, ignorando que pisa terreno minado que traz fartos dissabores. Convive mal com um ambiente limpo. É só lembrar a sujidade nas ruas, as lixeiras que se amontoam quando o povo se reúne em bem dispostas celebrações de qualquer coisa. Ou, como vi há dias enquanto passeava no passeio marítimo da praia de Matosinhos, como as pessoas se aglomeram nas imediações de um esgoto que corre em direcção ao mar.

O areal é extenso, e naquele dia a praia não estava apinhada. É intrigante ver a concentração de pessoas que estendem a toalha a escassos metros do fio de água fétida que corta o areal na sua corrida para o mar. Pior ainda, como há banhistas (e não eram apenas crianças) que patinham alegremente na água do esgoto, sabe-se lá se ansiando por encontrar um animal morto, um dejecto, qualquer outra surpresa para saciar uma curiosidade escatológica destes ratos de esgoto. Quem sabe, talvez as águas que chegam do esgoto sejam mais quentes do que as gélidas águas do Atlântico, ali mesmo à mão de semear…

Mais ao longe, afastados do esgoto, imensos banhistas refrescavam a tez acalorada nas águas frias e poluídas do mar. Na quietude da leve brisa marítima que corria, fugindo ao estereótipo da nortada que varre as tardes destas praias, a água estava calma, sem ondas que justificassem a bandeira vermelha hasteada. A lógica diria, mesmo aos incautos, que a bandeira vermelha se explica pela fraca qualidade das águas. Paredes-meias com o porto de Leixões, e com uma sequência de esgotos que desaguam nas praias os resíduos domésticos da grande urbe, uns gramas de discernimento bastam para concluir que a água do mar não é própria para banhos. A leviandade popular encarrega-se de afastar o diagnóstico alarmista. Assim como assim, o povo vai e vem dos banhos marítimos e continua a ser saudável. Até que chegue um dia, quando as marcas se fazem notar, e já são irreversíveis.

Não muito longe dali, lúdicos pescadores espraiam-se horas a fio nas margens do rio Douro, de preferência em redor de esgotos onde vagueiam as tainhas. A modernidade tem um preço que é pago pela fauna ribeirinha. As tainhas não seriam peixes dados à pestilência dos esgotos quando as águas do rio não estavam conspurcadas pela poluição. O aumento da população urbana e o sistema de esgotos que conflui no rio mudaram a genética das tainhas. Gostam, à semelhança do querido povo da praia de Matosinhos, de se enlodar na espurcícia que desagua dos esgotos. Cá em cima, os pescadores ficam ansiosos à espera de as pescar, umas atrás das outras. Como iguaria devem ser um lauto repasto, com a sua carne que deixou de ser branca e que, adivinho, de suculência só terá o aroma pestilento da amálgama que corre pelos esgotos. Mais uma vez, falta de discernimento, ou apenas ignorância que abraça este povo?

A este povo, apraz-lhe chafurdar na imundice. Consta que os franceses são pouco dados aos hábitos de higiene que passam pela água do chuveiro. Os portugueses não têm a mesma fama, mas embarcam numa modalidade alternativa do anti-higienismo quando se mostram atraídos pelo lodaçal da poluição que vem dos esgotos, pela sede de se banharem em águas cheia de coliformes fecais e substâncias viscosas libertadas do porto vizinho. Um povo que anda pelo meio da merda é um povo de merda. Será por isto que o dono do café onde vou todas as manhãs disse que se 75% dos portugueses fossem espertos como os animais domésticos, seríamos um país melhor? (Descontando a exactidão científica da estimativa…)

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