11.5.05

Sampaio, o pedagogo

Mais uma para o rol de disparates que tem preenchido o consulado presidencial de Sampaio. A mania das “presidências abertas” semeia as suas sequelas: sendo abertas, a água entra por todos os lados. Por isso não é surpreendente que Sampaio ande a toda a hora a dar tiros no próprio pé.

Opina sobre tudo e mais alguma coisa, fazendo as vezes de consciência crítica da nação, o porta-voz de um povo descontente com o país que tem, com o país que é. É o mensageiro da desgraça, o timoneiro do descontentamento popular. Paira sobre o desgoverno em que colectivamente mergulhámos, como se não fosse ele o primeiro entre pares, o símbolo mais elevado da governação. Não tem poderes executivos, é certo. O que, para ele, será caução bastante para passar ao lado dos desvarios da governação, o lenitivo para censurar o que está mal e apontar caminhos a desbravar para reparar os males. Para piorar o diagnóstico, fala “sampaiês”, um arremedo de português que se esconde em fórmulas gramaticais insondáveis, frases intermináveis, mensagens indecifráveis mesmo para os especialistas da língua.

A última pérola presidencial: medir o pulso ao ensino superior. Não chegou a organizar uma presidência aberta. Não houve o cortejo habitual, a corte de especialistas a gravitar em torno de sua excelência para o aconselhar antes da figura presidencial germinar douta sentença. Sampaio não se coibiu de opinar: algo está errado nas universidades portuguesas. Temos índices de insucesso escolar superiores aos parceiros europeus. Há muitos estudantes que ficam pelo caminho, impedidos de se deliciarem com os prazeres de uma licenciatura. Há que avaliar as universidades, uma avaliação independente (e não com o absurdo e parcial CNAVES, entidade que tem feito as avaliações das universidades com resultados de calibre duvidoso). E apurar responsabilidades, indagar o que leva tantos estudantes a palmilharem a senda do insucesso escolar.

Do alto do vezeiro apelo melodramático (desta vez sem a comoção que leva a figura presidencial a resvalar para a lacrimejante ladainha…), Sampaio abriu as portas a mais descontentamento estudantil. Foi o pretexto para as televisões auscultarem o sentir dos estudantes em várias universidades. O resultado: a culpa aqui não morre solteira, mas os estudantes não têm nenhuma quota na responsabilidade colectiva.

O diagnóstico é enviesado. Já no passado escrevi que discordo quando acusam os estudantes de serem a “geração rasca”. Ela é a “geração à rasca”, posta nesta condição pelos excelsos pedagogos que ensaiam fórmulas educacionais que não se sabe para o que servem a não ser para puxar lustro às suas elucubrações pseudo-científicas. Brincam aos sistemas educativos, fazendo dos estudantes as cobaias, como se fossem bichinhos de laboratório que se sacrificam sem pesar. São estes brilhantes pedagogos que estragam o sistema educativo. E que apanham, como vítimas directas, os estudantes. Que assim ficam à rasca, devido às manobras destes rascas da pedagogia.

Isto não pode distrair da realidade. E quem tem um contacto próximo com o ensino universitário pode falar com mais acutilância do que a figura presidencial que plana do alto do seu posto de observação, distante das coisas. Doze anos de experiência de ensino universitário proporcionam alguma tarimba. Prestam-se a uma análise fria do estado em que se encontram as universidades. Não creio que a elevada taxa de abandono dos estudantes só seja assacada às universidades, aos professores, às decisões questionáveis do ministério da tutela. Os estudantes também têm uma elevada responsabilidade.

Não se questiona que os jovens abdiquem do direito ao ócio. O divertimento faz bem, contribui para o seu crescimento como pessoas. Mas talvez fosse boa ideia inverter as proporções do tempo que dedicam ao estudo e à farra. Quem sabe se não passa por aí, por um sentido de responsabilidade individual, o caminho para o sucesso no percurso dos estudantes universitários. Depois há a cultura de facilitismo que se instalou. As tentativas de colocar os alunos a trabalhar sinalizam a sua desmobilização. Só se sentem incentivados quando o professor facilita as suas tarefas. Mesmo que tenham que pagar um preço perigoso: o de saírem impreparados das universidades, de serem atirados para a selva do meio profissional sem terem o treino da exigência intelectual.

Sampaio, entretido com os discursos de onde floresce o “sampaiês”, devia medir as palavras. Escusava de dar trunfos a quem não está isento de culpas no processo. Só se Sampaio quiser engrossar a leva de pedagogos com fraca reputação que são, eles sim, os culpados número um do estado calamitoso a que se chegou. Ou isso, ou a figura presidencial descobriu, agora, que é o zelador dos interesses dos estudantes universitários…

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