19.5.05

“Polacos já se podem limpar a papel higiénico com a cara de políticos”

Terão os polacos o exclusivo? Desconheço se a patente ficou registada. E mesmo que tenha havido registo, adivinho que a empresa polaca vai fazer fortunas a rodos, com a catadupa de pedidos de autorização para replicar a ideia, vindos de outros países. Porque os políticos têm uma tarimba que os expõe ao ridículo. Elevado preço a pagar pela ânsia de exposição pública, pela sede de poder, pela utilização do poder em proveito próprio.

Se a inovação chegasse cá, aposto que teria um sucesso retumbante. Mesmo que os “barómetros” de opinião publicados com regularidade pela imprensa se esforcem por mostrar resultados mais animadores – parece que com a ascensão de Sócrates ao poder passámos a ter uma opinião mais simpática em relação a todos os líderes partidários – mantenho a aposta: o papel higiénico que trouxesse estampadas as fuças dos nossos políticos seria o mais vendido. Quem garantisse o exclusivo nacional arrasava a concorrência.

A crer na abstenção endémica que mergulha o sistema político numa crise que poucos querem reconhecer, e dando de barato que muitos votantes seriam tentados à experiência de utilizarem as caras dos afamados políticos nacionais para limparem os rabos acabados de defecar, o sucesso seria garantido. Gostava de ter mais detalhes do produto para saber como seria disseminado o sucesso. Porque a notícia não deu pormenores: há papel higiénico com diferentes cromos estampados – um rolo por político – ou os rolos apresentam um surtido variado dos lídimos representantes da classe política – do género estampado aleatório, uma folha-um político?

A segunda hipótese seria mais simpática (relativizando…) para os visados. Porque os rolos de papel higiénico seriam uma composição harmoniosa de políticos, uma amostra representativa do escol de políticos que nos entra vida dentro. Seria uma forma de vingar a impertinência, usando as suas caras para limpar os vestígios do que é rejeitado pelo corpo humano, depois de digeridos os alimentos. Mais interessante – e menos simpática para a classe política – seria a primeira hipótese. E se as prateleiras dos supermercados estivessem repletas de papel higiénico, como direi, “personalizado”? Adivinho a mutação das estantes: os rolos ordenados por ordem alfabética das personagens estampadas, como se fossem estantes que armazenam discos ou livros. Para facilitar a escolha dos clientes: bastava seguir a pista deixada pela letra inicial e escolher a vítima cuja cara está impressa no papel aveludado que nos higieniza depois da função.

Os hábitos sociais passavam a acolher mais uma novidade em que os tempos modernos são férteis: um top de preferências, ordenado pelas compras de papel higiénico. Não havia barómetro de opinião pública que resistisse ao rigor do painel de vendas do papel higiénico. Os políticos menos populares, os mais visados pelas compras dos consumidores. Que percorriam as prateleiras dos supermercados numa busca ávida dos rolos de papel higiénico que trouxessem a imagem do fácies do político que representa aquele odiozinho de estimação. Adivinhavam-se, então, tempos difíceis para a classe política: ou faziam um enorme esforço mental para conseguirem ser o que são incapazes de ser (competentes, credíveis, respeitáveis); ou se prestavam ainda mais ao ridículo; ou veríamos muitas personagens do meio a meterem os papéis da reforma antecipada, imersos numa profunda depressão por saberem que as suas caras estavam a ter tal utilização escatológica…

Os mais compreensivos com os políticos gabam-lhes a coragem. Dizem: é preciso ter coragem para dar a cara como políticos. Na Polónia, nunca como antes a expressão “dar a cara” teve um significado tão literal e profundo. Imagino o cenário neste Portugal de brandos costumes. Pela parte que me toca, não me estou a imaginar a ser consumidor indefectível do produto: por me recusar a conspurcar o dito cujo com o papel pouco higiénico pelas caras de políticos sem competência e credibilidade que nele aparecem desenhadas. Por mais atractiva que seja a ideia, há limites para tudo. A recusa não seria uma deferência aos políticos humilhados pelo novo produto: antes a necessidade de não contaminar a higiene íntima.

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