17.1.05

A liberalização do comércio de têxteis é negativa?

A União Europeia deu o primeiro passo, quando celebrou acordos com a Índia e o Paquistão, franqueando as portas do mercado europeu aos têxteis destes países. O “golpe de misericórdia” foi dado no início deste ano, com a total liberalização do comércio internacional de têxteis. Na prática, os têxteis chineses podem agora invadir o mercado europeu.

Por cá, os representantes do sector começaram a desvelar o novelo das ameaças. Não são os empresários que protestam. Num mundo de globalização crescente, eles vêm a liberalização comercial com bons olhos. Será um pretexto para desconcentrarem parte da sua produção, enviando-a para a China (e outros países asiáticos) onde os têxteis podem ser produzidos em condições mais favoráveis. Não é crime um empresário procurar o local onde encontra as melhores condições de produção. Ainda que se argumente que os empresários têm que carregar o fardo da responsabilidade social dos empregos que criam (ou que fazem desaparecer), é compreensível que olhem para os seus interesses. Se os trabalhadores velam pelos seus interesses acima dos interesses da entidade para quem trabalham, porque devem os empresários ter um comportamento diferente?

São os sindicatos do sector que mais afirmam a sua perplexidade. Vêm na liberalização do comércio uma séria ameaça a milhares de postos de trabalho. Não há surpresa nesta atitude, porque os sindicatos existem para fazer vingar os interesses dos trabalhadores. Se a liberalização comercial é a porta de entrada de têxteis mais competitivos do que os nacionais, o cenário é sombrio para quem está a trabalhar no sector. Até porque se adivinha um movimento de deslocalização de algumas empresas nacionais para o continente asiático. Como os empregos não acompanham esta deslocalização (o trabalho é rígido, por comparação com o capital), o fenómeno do desemprego paira como ameaça latente sobre a cabeça de quem trabalha no sector.

Dois comentários finais. Primeiro, esta gente continuará eternamente dependente de esquemas de proteccionismo estatal. Recusam-se a aprender a lição da livre concorrência, a lição que ensina que quem tem unhas deve tocar a guitarra – e não afastar os mais competentes para dar lugar à competitividade artificial de quem é generosamente protegido pelo Estado. Os mais eficazes deveriam vencer a batalha concorrencial. Raramente sucede, porque as portas travessas do proteccionismo estão sempre abertas para fazer vingar os ineficazes. Com uma ilação óbvia: o desperdício de recursos, coisa irracional quando se ensina que os recursos são escassos. Sem esquecer outra consequência negativa: para permitir a produção dos ineficazes (uma escassa minoria) penaliza-se a larga e silenciosa maioria dos consumidores. Aqui está a essência da democracia, na sua verdadeira negação!

Segundo, a ironia do destino de ver os sindicatos defenderem soluções que negam a possibilidade de países mais pobres se aproximarem dos mais ricos. Ironia do destino, porque os enfáticos sindicalistas que por aí andam não hesitam em censurar a “desenfreada globalização”, acusando-a de todos os males que afectam o mundo. Não se cansam de apregoar que é o capitalismo selvagem, o esteio dessa globalização desregulada, que alimenta as diferenças de riqueza entre ricos e pobres. Quando têm uma oportunidade para provar as suas convicções, alinhando ao lado dos interesses dos países mais pobres, eis que caem numa contradição absoluta. Afinal estão mais preocupados com a preservação do emprego em Portugal, um país bem distante das carências de países pobres. Ignoram que a abertura comercial será um caminho necessário para que esses países possam vingar no mercado internacional, dando passos para sair da situação de subdesenvolvimento em que estão mergulhados.

Sempre ouvi dizer que a concorrência não faz mal a ninguém. Quem teme a concorrência admite que não tem lugar num mercado sem protecções. Muita da pobreza que por aí grassa tem esta origem. Por isso faz sentido denunciar estes sindicatos autistas: por combaterem uma medida que permite um aumento do bem-estar dos países mais pobres (dando assim provas que a solidariedade é uma palavra vã na boca desta gente); e por provarem que preferem um mercado protegido, uma coutada garantida às empresas domésticas, mesmo que isso signifique o prejuízo dos consumidores que têm que pagar preços mais elevados. Convém não esquecer que falamos de têxteis, longe de serem um bem supérfluo. Quanto mais caros forem, mais penalizados são os mais pobres.

Assim ficam demonstradas as elevadas “preocupações sociais” dos sindicatos.

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