16.12.04

Sessenta dias

Dois meses a aprender a viver. Sessenta dias de pulsões diárias, num mundo novo que nos trouxeste. Dos teus olhos azulados, o mundo passou a ter outras tonalidades. Como se uma imparável maré de tinta, de cores alegres, tivesse tingido o planeta. Contemplar o teu sono tranquilo é como fitar o horizonte e saber que no sol que se põe vem o anúncio de dias cheios de vontade para tirar tudo o que a vida tem para oferecer.

Os choros, as comoções, os risos que ao início só existiam nos teus sonos. Tudo e mais alguma coisa. Percorrer novos caminhos, com emoções nunca vividas – é o património de uma vida nova que traz novos horizontes à existência. Quando sussurras pequenos gemidos de contentamento, depois de saciares a tua fome, é como se me tivesse banqueteado com um lauto repasto – ainda que o meu estômago estivesse a ranger de fome. Os choros que preenchem a casa, uma melodia que encanta, mesmo quando eles perduram.

Os dias passam e vais tomando mão nos teus pais. Esboças largos sorrisos que são como pétalas que sucumbem de uma árvore mágica. Com eles perfumas a casa. Nem os sonos quebrados a meio, ou aqueles dias em que sentíamos a dificuldade na tua respiração, tiraram o encantamento. Em vez da inquietação, do sobressalto pelo mínimo ai, é o embevecimento que triunfa.

Não hão-de faltar ocasiões para celebrar contigo. A cada dia que passa, a cada momento que sinto que devia partilhar mais tempo contigo, sei que tu já sentes que estou por perto. Reconforta-me saber que sou teu anjo protector, tal como sei que me deste coisas que nunca pensei que fossem inteligíveis. Olhar-te sem dar conta do tempo a passar é dos momentos mais gratificantes na rotina diária. Uma rotina que não o chega a ser, tantas as recompensas que a abstracção de tudo me trazem esses singelos momentos. É como se houvesse um feixe de luz a entrar directo em mim, com a força indómita da vida repleta de coisas por aprender que carregas em ti. No final, sentir que sou eu que tenho que reaprender através da tua aprendizagem.

Cada segundo de vida que passa por ti é um mistério por sondar. Adivinhar os teus sonhos, ora de sobressalto como de empolgantes sorrisos, é tarefa impossível. Já deixei de imaginar os mundos que se desvelam em ti para teres esses esgares no sono. Emudeço ao observar como olhas com curiosidade para as coisas que estão à tua volta, como as cores e os sons despertam os sentidos. Percorrer contigo as veredas que vão no encalço do crescimento motivam novas entrelaçados com o tempo vindouro. Elos perdidos deixam de fazer sentido.

Ao deitar, passo pela tua cama. Espreito, ansioso por confirmar que estás num sono tranquilo. E perco-me mais uns minutos na contemplação da pequena deitada na sua cama, braços para cima, os lábios que sorvem uma refeição imaginária. Passo ao de leve pelas tuas mãos. Afago-as, sempre frias e esbranquiçadas, e deixo-me enlevar pela ternura que sinto exalar da tua pele. Estou então preparado para embrulhar o sono, tão tranquilo como o teu. Contagiado pela força indomável da tua frágil existência.

O tempo é o juiz supremo do caminho que se abre por diante. Tempo frugal, que obriga a olhar para trás e esconde que dois meses, sessenta dias, levas de vida. Nem parece que ainda ontem começaste a espreitar, temerosa, um mundo diferente daquele que a tua mãe te deu na gestação. Esse é o tempo que, contigo ao lado, abranda. O tempo que queria congelado nos momentos em que o resto deixa de fazer sentido, quando estaco diante de ti sem vontade para nada mais fazer. É aí que, por breves momentos, acredito que o tempo se imortaliza: nessas imagens capturadas para todo o sempre, bem resguardadas da poeira do tempo.

2 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns!
Sugiro que imprimas este texto, o guardes e o ofereças à tua filha daqui a 15 anos.
É lindo!

Ponte Vasco da Gama

Anónimo disse...

Que lindo! Concordo com o PVG, imprime para lhe leres um dia...ela irá adorar!

Parabéns!
Camélia