3.8.04

Os sonhos

A matéria onírica deixa-me inquieto. É um mistério irresolúvel, um enigma que paira sobre a minha cabeça. Não que seja assaltado pela curiosidade de perceber o significado dos sonhos. Não vou longe na tentativa de descobrir o possível simbolismo de um sonho acabado de viver, como se ele fosse o prenúncio de algo. Escapo à representação dos sonhos que procura definir um presságio. Mas não me deixo de interrogar acerca dos meandros dos sonhos. Sobre os destinos insondáveis do subconsciente que arquitectam os sonhos que acompanham o sono, como se fossem filmes de que somos os argumentistas e os actores principais.

Há sonhos que são obras-primas do surrealismo. Daqueles sonhos impensáveis, que conjugam ingredientes que à partida não têm nexo, numa mistura bizarra. Por exemplo, esta noite sonhei que ia dar uma aula em calções de banho e de toalha de praia, mas que o local da aula era uma costumeira sala da universidade e não o ar livre, junto à praia. Entrado na sala de aula, todos os alunos estavam em preparos de praia – eles com a mesma indumentária que eu trajava, elas de biquini (não me lembro se algumas das alunas faziam top-less, tornando a aula mais interessante…). O que leva o pensamento a divagar de tal forma que associa a praia a uma aula, o lazer ao trabalho? Um sonho que trouxe o lazer para o trabalho: será sinal do primeiro dia de férias, sem as tarefas das aulas, dos exames, do atendimento a alunos?

Dizem os especialistas que todos sonhamos, todas as noites, durante todos os sonos. O que varia, de pessoa para pessoa, é a capacidade para recordar o que foi sonhado. Certas manhãs desperto sem me lembrar de nenhum pormenor do que sonhei. Noutros dias acontece o mesmo, mas passadas algumas horas o sonho deslinda-se por artes de magia, ao fazer a ligação com uma certa coisa que acaba de acontecer ou de algo que foi dito. Desaparece a barreira mental com um estalar de dedos. Depois o sonho desfila inteiro, como se tivesse encontrado o fio à meada.

Por vezes acordo com um sonho bem vivo, como se estivesse a viver o que tinha acabado de sonhar. Acontece sobretudo com os pesadelos assustadores. Quantas vezes desperto de um pesadelo e fico aturdido durante uns minutos, a pensar como sair da situação que estava a viver naquele pesadelo. Tudo se passa como se o sonho se prolongasse pelos primeiros minutos de torpor que se seguem ao despertar. O sonho acaba por ser vivido já quando estou acordado. A primeira reacção é esta: oxalá que o que acabei de sonhar fosse apenas um sonho. Já acordado, transporto o pesadelo para os pensamentos conscientes e anseio que a realidade não passasse de um sonho. Desconhecendo que se trata de um pesadelo, fico na esperança de que o sonho que me parece realidade não passe de um sonho.

Depois o cérebro começa a funcionar. É então que compreendo que aquele tenebroso pesadelo não coincide com a realidade. Uma sensação de alívio percorre-me pelo interior. Descansado por saber que o pesadelo não passou de uma construção imaginária do subconsciente, aquieto-me e enxoto as preocupações que se começavam a adensar. No entanto, por vezes as consequências do pesadelo prolongam-se. Sucede quando volto a mergulhar no sono e engato no pesadelo que foi interrompido pela alvorada. Voltando a dormir, o pesadelo continua a sua saga, torturando-me o sono que não consegue ser tranquilo. Só quando desperto de vez consigo perceber que o pesadelo teve o seu fim.

As consequências ficam para o resto do dia. Quando sou assaltado por este tipo de pesadelos, a má disposição acompanha-me durante todo o dia. Mesmo sabendo que a tormenta não passou de um susto pregado pelo sono, não consigo disfarçar o mal-estar que o pesadelo causou. Mesmo que me esforce por deitar para trás das costas o pesadelo que me deixou afogueado, o desconforto domina. Não sei se por ter uma noite mal dormida – e por isso estar cansado – ou se por andar às voltas com o quadro sombrio que me foi trazido pelo pesadelo, sei que o resto do dia tem a marca do pesadelo. Ando macambúzio, sem me conseguir orientar para a boa disposição.

Os restos do pesadelo deixam os seus traços para o que falta do dia. Apesar de acordado, e de saber que o pesadelo não passou disso mesmo, é como se ele perdurasse nas horas em que estou consciente. Como se o pesadelo me acompanhasse no resto do dia, mesmo estando desperto para ser testemunha viva de como o pesadelo não está ao lado da realidade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Ora cá vai uma consulta dada por um psicologo barato (de borla, aliás):

- Professor e alunos na sala de aulas em trajes de praia.
Estás a precisar de "descomprir" as tuas aulas. O teu subconsciente está a dizer-te que tu e os teus alunos devem estar mais "soltos" nas aulas. Quanto a não te lembrares se havia miudas em topless, é grave e contraditório com o que dizes sobre a tua orientação sexual no artigo sobre o casamento entre homossexuais. Um verdadeiro macho latino procuraria ajuda médica imediata.

- "Carregares" a carga negativa dos pesadelos ao longo do dia.
Preocupante. E não acontece o contrário? Ter um sonho fantástico e andar bem disposto o resto do dia? Não...
A minha vasta experiência como psicologo barato diz-me que se trata de mais um caso de sobrevalorização da desgraça que tanta gente afecta neste país. Porque raio valorizamos mais o mau, o negativo, do que o bom e positivo? Enfim, deixo este mote para um eventual futuro texto teu.

Nota final: o importante é que tens dormido bem! Daqui a cerca de 3 meses poderás passar a ter saudades desses pesadelos...

Ponte Vasco da Gama