3.6.04

A retórica política – da arte de enganar os eleitores

Andava por Madrid, durante a tarde do passado domingo, e ia dando de caras com a profusão de cartazes alusivos à campanha eleitoral para o Parlamento Europeu. O cartaz dos socialistas espanhóis aparecia divido em duas partes. Do lado esquerdo, a fotografia do cabeça de lista, Josep Borrell. Do lado direito, com o branco como pano de fundo, as palavras escritas a vermelho: “de vuelta a Europa”.

O slogan pode ser interpretado de duas maneiras. Se formos pela interpretação literal, olhando apenas às palavras que constam da mensagem e abstraindo do contexto em que elas são produzidas, a leitura não deixará muitas dúvidas. Quando se promete aos eleitores que votarem no PSOE que, com esse voto, os eleitos vão recolocar a Espanha no mapa europeu, a intenção é bem clara. Enfatiza-se que antes da mudança de governo a Espanha estava de costas voltadas para a União Europeia, e com o retorno dos socialistas ao poder deu-se a reconciliação.

Se nos apegarmos a uma interpretação ainda mais literal, apenas lendo o teor das palavras que constam do slogan, imagino um cidadão espanhol que tenha andado desatento a estas coisas da União Europeia a perguntar-se se por acaso a Espanha não terá saído da União e agora esteja novamente de regresso. Porque, afinal, o slogan promete que com os socialistas a Espanha está de volta à Europa!

Interessa fazer uma leitura que vá para além da interpretação literal. O exercício tem que abranger o contexto que explica a afirmação produzia – de que a Espanha está de volta à Europa. Para os conhecedores – e só para estes – a verdadeira leitura do slogan é outra. Oficialmente, existe a convicção de que o bloqueio à Constituição da União ficou-se a dever às intransigências dos governos da Espanha e da Polónia. Será neste contexto que se deve compreender o slogan dos socialistas. Eles estão dispostos a abdicar das resistências do governo de Aznar e que terão impedido a formação do consenso necessário para aprovar a Constituição da União Europeia.

O problema dos diferentes significados atribuídos a mensagens políticas deste calibre é o da difusão de sentidos que elas podem ter consoante os seus destinatários. Interrogo-me sobre a percentagem de espanhóis que tem a informação suficiente para interpretar a mensagem para além do seu significado meramente literal? Quantos estão em condições de perceber o que os socialistas verdadeiramente querem dizer com aquele slogan? Os estrategas que gizam a retórica política têm consciência da impreparação da maioria do eleitorado, mais ainda quando estão em causa matérias mais complexas como as que lidam com a União Europeia.

Conhecedores da falta de informação da maioria da população (que é, afinal, quem decide eleições), estes mestres da retórica política não hesitam na manipulação semântica para atingir os seus objectivos finais – ter mais votos do que as listas rivais. Nem que para isso atirem para o ar uma frase que contém uma mensagem incorrecta. A bem da verdade, para os muitos milhões de espanhóis que lêem aquele slogan, fica a impressão que a Espanha estava desavinda com a União Europeia, ou mesmo que tinha temporariamente saído dela. O que é uma inverdade.

Eis como os truques semânticos estão ao serviço dos partidos políticos para alcançar o objectivo supremo do voto. Nem que para isso seja necessário enganar o eleitorado. No que, em rigor, representa um comportamento bem típico de quem não olha a meios para atingir os fins. É este o processo genuíno de escolha dos representantes dos cidadãos?

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