11.6.04

O que fazer nas eleições para o Parlamento Europeu?

O boletim meteorológico anuncia um tempo excelente para a praia. O fim-de-semana tem quatro dias, em virtude do feriado de quinta-feira. Muita gente deve estar para fora, a banhos ou em descanso. O panorama não é excitante, adensando-se as nuvens negras sobre a taxa de abstenção nas eleições de domingo. Repetindo uma tendência que se verifica em todos os Estados membros da União: as pessoas sentem menos incentivos para votar quando está em causa a composição do Parlamento Europeu.

A minha reposta à pergunta que surge no título é a abstenção. Faço-o por vários motivos. Em primeiro lugar, o valor destas eleições. Os que me conhecem de perto sabem do meu entusiasmo pela União Europeia. Sou um “euro-entusiasta”. Esta seria uma razão poderosa para me deslocar à mesa de voto. Mais ainda: ensino aos meus alunos que o conhecimento da União Europeia é um dever de cidadania. Porque cada vez mais o destino do país passa pelo que é decidido na União Europeia. Sendo o Parlamento Europeu a instituição emblemática de um certo sentido de cidadania europeia, faria sentido votar nestas eleições. Até porque é a única forma que os cidadãos dos Estados membros têm de interferir na governação da União Europeia.

A minha opção pela abstenção poderá encerrar uma contradição. Todavia não há nenhuma contradição. O que se pede aos eleitores é uma falácia. Os que sublinham a importância do voto para a assembleia parlamentar europeia estão a passar ao lado da questão que mais interessa debater: quem toma as decisões na União Europeia? A resposta não se encontra no Parlamento Europeu. Quem comanda os cordelinhos da União Europeia são o Conselho Europeu, o Conselho de Ministros e a Comissão Europeia. Os cidadãos de cada Estado membro são representados pelos respectivos governantes que têm assento no Conselho Europeu e no Conselho de Ministros. Os poderes do Parlamento Europeu são uma vacuidade – apesar de formalmente ter vindo a conquistar mais poder, na prática não os consegue exercer.

Por estes motivos não faz sentido o apelo ontem lançado, com o habitual dramatismo, pelo presidente da república. Apelando ao voto, lembrando aos portugueses que esta é a única forma para fazerem ouvir a sua voz no processo de decisão da União Europeia. Como se o Parlamento Europeu tivesse os mesmos poderes legislativos dos parlamentos nacionais. Como não é possível fazer essa comparação (ou, fazendo-a, ela é desfavorável ao Parlamento Europeu), eis como fica exposta a debilidade do argumento presidencial. Somos convocados a eleger uma assembleia parlamentar que é uma simples figura de estilo, desapossada de verdadeiros poderes. Pretende-se apenas cumprir uma formalidade, como se a legitimidade democrática fosse alcançada apenas com o respeito dessas formalidades.

A segunda razão é de ordem estrutural, não valendo a pena (neste momento) explorá-la em detalhe: a minha descrença no processo político, nas personagens que habitam a paisagem política, nas artimanhas deploráveis que inundam o quotidiano da política nacional.

Em terceiro lugar, ainda que equacionasse votar (estou a pensar em manifestar uma escolha, e não votar em branco ou anular o voto), também não vejo de que forma as pessoas que compõem as listas, e as ideias que (não) têm sido debatidas, são um incentivo para depositar o voto em alguém. Como é costume, estas eleições servem para lavar a roupa suja da política doméstica. A União Europeia passa ao lado do debate, como se os destinos da União não fossem vitais para o futuro do país.

Continuamos arreigados aos vícios do passado. Políticos carreiristas a enganar o eleitorado, a deslocar o debate do plano onde ele se devia realizar, utilizando uma retórica que desvia as atenções para o acessório. Intervenientes que continuam a ser responsáveis pela desinformação do eleitorado, contribuindo para votações enviesadas.

Não é com o calibre destas personagens que me sinto motivado a escolher uma lista. Se sou muito exigente comigo mesmo, como posso optar pelo “mal menor” e escolher alguém em quem não me revejo, por simplesmente se localizar menos distanciado das minhas posições?

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