9.6.04

O Papa, aliado dos movimentos anti-globalização?

Na recente visita que fez à Suiça, o Papa tocou num assunto que me deixou intrigado. Numa das suas homilias, João Paulo II discorreu sobre os males que atormentam o mundo contemporâneo. Para minha surpresa, o Papa alertou os crentes para os “perigos do consumismo”. Ainda estou para saber se esta afirmação foi retirada do contexto pela comunicação social que fez a síntese do discurso. Não é coisa que não aconteça com vulgaridade. Vou partir do pressuposto que a inserção contextual da afirmação papal é a que se infere das suas palavras – um ataque à sociedade do consumo.

Ao ouvir estas palavras dou comigo a pensar se a igreja católica não é a mais recente aliada da causa anti-globalização. Estes movimentos destilam todo o seu ódio contra a sociedade capitalista em que vivemos. Os males do mundo resumem-se às excrescências motivadas pelo dinheiro, por uma sociedade em que tudo gira em torno do vil metal. É o capitalismo que ocasiona as desigualdades, a fome, a pobreza de tantos contra a riqueza de poucos, a guerra. Para esta gente, onde há um mal que flagele o mundo, o capitalismo é invariavelmente o culpado.

Como é natural, a sociedade consumista que cresce a olhos vistos é também alvo dos movimentos anti-globalização. Acusam as empresas multinacionais de fomentarem o consumismo entre cidadãos que caem na esparrela, que são seduzidos pelas artes da publicidade, que se deixam levar no engodo de um bem-estar fictício associado ao consumo desenfreado.

Quando há reuniões de importantes organizações internacionais estes grupelhos deslocam-se religiosamente até ao local e desfilam num cortejo onde os protestos e a violência organizada andam de mão dada. Tudo o que seja representação do deplorável consumismo que engorda as empresas capitalistas é alvo da ira dos manifestantes. Que sem respeito pela propriedade alheia decidem vazar todo o seu ódio contra as instalações das empresas multinacionais, destruindo tudo à passagem, que nem um furacão medicinal que destrua para depois trazer a mirífica harmonia.

Quando o Papa dedica umas palavras da sua homilia aos perigos do consumismo está a descair para uma retórica que pouco se distingue dos movimentos anti ou alter-globalização. Também João Paulo II exibe a sua preocupação contra os pretensos exageros de consumismo, imagem fiel de um capitalismo que (ao que parece) se está a encaminhar para excessos que podem ser suicidários. Não acredito que a mensagem papal tenha predicados terapêuticos para salvar o regime capitalista dos ataques soezes e cada vez mais bem organizados dos movimentos que se lhe opõem.

Parece-me, pela retórica utilizada, que a igreja manifesta a sua preocupação contra o materialismo de uma sociedade que depende dos prazeres do consumismo. João Paulo II presta um serviço inestimável à causa anti-globalização. Está a servir de porta-estandarte das narrativas que se insurgem contra os excessos do capitalismo. Só falta vermos padres, bispos e arcebispos, trajando a rigor, a enfileirar ao lado dos manifestantes numa fauna diversificada, provocando a polícia e sempre estando prestes a transformar as “manifestações pacíficas” em actos de intensa violência.

Tudo isto acaba por trazer à superfície um cinismo indisfarçável. A igreja, a tão rica igreja, tão dependente dos prazeres proporcionados pelo vil metal, agora indirectamente aliada daqueles movimentos que desprezam e combatem o capitalismo. O capitalismo que permitiu à igreja enriquecer ao longo da sua existência. Em que ficamos, João Paulo II?

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