13.5.04

Retrato de Gorzów (I)

A viagem entre Berlim e Gorzów, 40 km. depois da fronteira entre a Alemanha e a Polónia, já foi feita de noite. Não pude apreciar a paisagem. Tive a oportunidade de constatar como o comboio que apanhei depois de entrado em território polaco era um sinal vivo de terceiro-mundismo (ou um resquício do comunismo derrotado, o que vai dar no mesmo). Carruagens velhas, um cheiro que sem ser nauseabundo era incomodativo, assentos que pediam meças ao conforto, uma velocidade lenta.

Ao desembarcar na estação de Gorzów estavam duas pessoas à minha espera. Uma professora da universidade e um aluno que, no semestre anterior, tinha estado no Porto ao abrigo de um intercâmbio de estudantes. Em breves minutos, os meus anfitriões desdobraram-se numa preocupação de se desculparem pelo atraso em que esta parte do país está mergulhada. Mal pousei o pé na gare de Gorzów, tive a primeira exibição: o ex-aluno, acabrunhado, lamentou que o meu primeiro contacto com o seu país tenha sido um comboio degradante como aquele em que tinha acabado de viajar. No dia seguinte, outra professora que fez de cicerone pela cidade voltou a tocar no mesmo assunto.

Vi nesta manifestação um sinal de embaraço pelas más condições de transporte oferecidas pela linha férrea que une esta cidade à fronteira com a Alemanha. Como se sentissem a necessidade de uma desculpa pelo desconforto daquela curta viagem. Sentia o temor que aquele era o pior cartão de visita para quem vem da Alemanha e entra na Polónia. Era necessário atenuar o embaraço pela chegada de alguém que vem do “mundo desenvolvido” e pode ficar chocado com o que vê ao entrar num país que, desde há uma dúzia de dias, também é um parceiro da União Europeia.

A segunda manifestação foi vivida logo a seguir, acabava de sair do edifício da estação. Enquanto nos encaminhávamos a pé para o exterior, ao atravessar a rua em direcção ao parque de estacionamento fui avisado pela anfitriã, também com alguma dose de vergonha, que o caro dela era “aquele carro muito velho que ali está”. Ao dizer isto acenou com a cabeça para o lado direito. Dirigi o olhar nessa direcção, onde alcancei dois carros: um pequeno e velho Fiat 500 e um grande Mercedes que devia ter tantos anos quanto eu (mais tarde ela confirmou a minha ideia: o Mercedes tem 30 anos).

As primeiras impressões diurnas da cidade e do entorno natural só as tive no dia seguinte, depois do pequeno-almoço. Quando me foram buscar ao hotel, fizemos um percurso de automóvel pela cidade, para ficar com uma primeira impressão do que podia encontrar. É uma cidade pequena (pelo número de habitantes e pela dimensão que me pude aperceber, será equivalente a Guimarães), localizada junto ao rio Warta. Sem grande beleza arquitectónica porque os soviéticos decidiram deitar abaixo, após a segunda guerra mundial, aquilo que a guerra em si não tinha destruído. Só no centro histórico ficaram alguns vestígios da construção típica de Gorzów – uns quantos edifícios de tijolo, com ornamentos a encimá-los. De resto, um marasmo total, com blocos indiferenciados, frios, impessoais, onde se acantonavam as massas acríticas que um regime asfixiante gostava de alojar.

A beleza paisagística que circunda a cidade compensa o diagnóstico. O verde invade a cidade a todo o momento, com inúmeros parques que se desdobram à medida que as ruas se sucedem. Um verde brilhante preenche a paisagem, com diversas espécies de árvores num arvoredo denso, tão denso que em certas zonas o sol não consegue penetrar entre a espessura das ramagens.

O local é relativamente plano. Apesar de me terem dito que Gorzów é concedida como a cidade das sete colinas, esta coincidência com Lisboa fica-se pela retórica. As colinas são muito suaves, quase imperceptíveis. Deslizam suavemente em direcção ao rio, num declive que não pára umas centenas de metros antes do rio, num aluvião fértil onde acamam alguns campos de vegetais – afinal uma das características deste grande país, marcado por uma acentuada ruralidade, pela elevada importância do sector agrícola.

(Em Lubniewice)

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