20.2.04

Homofobia a destempo

Anteontem, o presidente da Comissão de Acompanhamento da Lei de Adopção, Luís Villas-Boas, teceu considerações deslocadas do tempo. Fê-lo a propósito da sentença de um tribunal espanhol, que autorizou a adopção de duas gémeas por um casal de lésbicas. Para Villas-Boas, a adopção de crianças no seio de casais homossexuais é contra-natura. Ela atenta contra a “sexualidade normal” das crianças e pode levar a uma personalidade distorcida.

Para quem defende as liberdades individuais, declarações deste calibre são ofensivas. Elas anunciam uma intolerância contra as pessoas que têm opções sexuais que se afastam da padronizada heterossexualidade. Como se não lhes assistisse o direito de enveredarem por esta opção homossexual. Ao rejeitar o dogma ultrapassado, inspirado no totalitarismo católico que imperou durante tanto tempo, de que a homossexualidade é um comportamento desviante, menos aceitável é a posição de Villas-Boas.

Ao deparar com estas declarações, uma onda de desconforto percorreu-me pelo interior. Pelo desrespeito que Villas-Boas manifestou para com uma opção sexual que é tão legítima como a sua. Mas também porque Villas-Boas arvorou-se em consciência protectora das crianças abandonadas. Quando escutei as inflamadas opiniões de Villas-Boas, perguntei-me que autoridade tem este senhor para se armar em paladino dos interesses das crianças abandonadas que não têm um lar para as receber. Será melhor continuarem abrigadas nas instituições vocacionadas para dar guarida a estas crianças?

Não vou aqui questionar a existência dessas instituições. Decerto têm um objectivo louvável, porque na sua ausência as crianças abandonadas seriam confrontadas com o abismo da sobrevivência. Onde não creio existirem dúvidas é no afecto que as crianças abandonadas recebem se continuarem por anos a fio nestes instituições, ou se lhes for dada a oportunidade de serem acolhidas por uma família adoptiva. É a diferença entre um tratamento relativamente impessoal, de um lado, e o amor e o carinho que o casal de pais adoptivos passa a dedicar à criança que acolhem no seu seio, no outro cenário.

Villas-Boas cai numa contradição. Prefere uma família sem rosto, incapaz de devotar a cada criança a mesma fracção de amor e carinho que um casal se predispõe a ofertar através do acto da adopção. Qual “engenheiro social”, lavra a sentença que condiciona o direito ao bem-estar das crianças abandonadas. Sem dar conta que está a atropelar o direito à personalidade de cada criança, que porventura prefere ser inserida num núcleo familiar do que permanecer na alegria sombria da instituição de acolhimento.

Esta é reacção sentida ao ouvir as palavras de Villas-Boas. Porém, por mais lamentáveis que me pareçam as suas ideias, tenho que reconhecer que esse é um direito que lhe assiste com a mesma legitimidade que os homossexuais têm o direito a expressar a sua opção de vida. Mesmo dizendo que me choca mais escutar opiniões como as de Villas-Boas do que assistir à adopção de uma criança por um casal de homossexuais.

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