6.2.04

Devem os ex-comunistas ser banidos das instituições europeias?

Li e fiquei inquieto: o Partido Popular Europeu (PPE), que reúne os partidos de inspiração democrata-cristã, quer impedir a presença de ex-comunistas nas instituições da União Europeia (UE). É nos países de leste que em Maio vão aderir à UE que o PPE tem a sua atenção focada. Nas últimas semanas os novos Estados membros têm avançados os nomes dos seus representantes na Comissão Europeia. O alarme subiu de tom quando a Estónia indicou o ex-primeiro ministro (e membro do Partido Comunista da União Soviética entre 1972 e 1990), um senhor chamado Siim Kallas.

Parece que o PPE quer imitar a lamentável atitude, na altura protagonizada pela Internacional Socialista, a propósito da censura contra o governo austríaco composto pelos democratas-cristãos de Schüssel e pelos neo-nazis de Jörg Haider. Então como agora a minha reacção só pode ser a mesma: de reprovação total destes agentes que se perfilam como guardiães da boa consciência democrática.

Julgando-se no direito de sentenciar quem pode ser incluído no jogo democrático e quem dele deve ser excluído, alimentam uma perigosa marcha de intolerância que, afinal, pouco os distingue destas facções radicais e decerto anti-democráticas que eles pretendem marginalizar. Não é assim que a democracia se diferencia dos totalitarismos que diz combater. Ao dar mostras de tamanha intolerância em relação a facções pouco sensíveis ao jogo democrático, é o próprio regime democrático (e os seus intérpretes) que se enquistam numa contradição insanável – a de actuarem com tanta intolerância como os intolerantes que querem banir do mapa eleitoral e político. É a auto-negação da democracia por quem se anuncia tão preocupado com a sua integridade.

Como pode alguém interferir nos assuntos internos de um país soberano, pondo em causa as decisões de um governo que está legitimado pela força do escrutínio popular? Alguém interioriza o direito de, em nome dos interesses "civilizacionais" que corporizam o regime democrático e o Estado de direito, sancionar a validade de decisões de outros países. Estas decisões são pesadas numa báscula da democraticidade que encerra alguma arbitrariedade. Se assim é, caminhamos para um precipício sem fundo. Algum dia, as eleições realizadas nos países podem ver os seus resultados questionados pelo discricionário voluntarismo desta consciência invisível. A democracia vê a sua essência negada porque certos valores são melindrados pelo resultado de um sufrágio popular.

O problema está, também, na incongruência que é vetar o acesso de ex-comunistas à Comissão e, logo de seguida, dar de caras com uma nova composição parlamentar onde alguns deputados dos países de leste tenham um passado manchado pelas atrocidades do comunismo. Como pode o PPE ser contrário à presença de ex-comunistas na Comissão e depois ser obrigado a conviver com eles, como colegas da mesma instituição?

A linha de raciocínio que influencia a vontade do PPE não é consistente. Não só por ela atentar contra os valores de tolerância que são professados por estes democratas. Mas também porque não tendo havido julgamentos que apreciassem o envolvimento criminoso de tais personalidades que se sujeitam ao veto do PPE, menos ainda se justifica esta recusa dos democratas-cristãos europeus.

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